“Rewilding, um novo caminho para a natureza em Portugal”: atrás das câmaras

Dezembro 17, 2020

Estreou no final de novembro o documentário de João Cosme, narrado por Célia Gil, que retrata o trabalho de conservação da natureza duma parceria alargada, e que explica o que a abordagem rewilding pode fazer pela conservação da natureza em Portugal. Veja como correram as gravações e a estreia…

João Cosme, durante as gravações relativas ao primeiro cão de gado integrado, Leão, na Serra de Montemuro. Créditos: Rewilding Portugal

Um trabalho de equipa

A aventura deste documentário começou entre o final de Fevereiro e início de Março deste ano, ainda antes da pandemia de Covid-19 chegar a Portugal. A equipa da Rewilding Portugal, responsável pela narração e estruturação do filme, reuniu-se então com João Cosme na Guarda, para delinear a narrativa do que se pretendia contar e tudo aquilo que precisava de ser filmado e registado nos meses seguintes. Longe de se saberem as restrições impostas à circulação e convivência que iriam afetar o território nacional, arregaçaram-se as mangas e seguiu-se para o terreno de câmara em punho e com muita vontade de partilhar o que vinha sendo feito.

O documentário pretendia mostrar os primeiros passos e desenvolvimentos dos projetos LIFE WolFlux e Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa, que estão a ser operacionalizados em conjunto por várias entidades (Rewilding Portugal, Rewilding Europe, ATNatureza, Zoo Logical e Universidade de Aveiro), assim como disseminar a abordagem de rewilding pelo território nacional, que configura um novo caminho para a natureza em Portugal e uma nova forma de esperança e de olhar a conservação da natureza, que dá espaço à mesma para se curar e recuperar por si mesma.

Marcação GPS de grifos na Reserva da Faia Brava, Figueira de Castelo Rodrigo. Créditos: Rewilding Portugal

Muitos quilómetros e muitas histórias depois

Mesmo com todas as restrições que, entretanto, chegaram entre o final de Março e o começo de Abril, o trabalho em campo continuou. Afinal, não há melhor forma de estar confinado do que estar isolado em contacto constante com a natureza, à qual a Covid-19 foi alheia e passou despercebida. Foi assim que João Cosme passou os meses seguintes, a percorrer toda a área dos projetos e a ter a oportunidade de ver e captar as magníficas paisagens que esta esconde e apresenta, assim como a impressionante e desafiante fauna e flora que todos estes lugares nos reservam, até quando menos se espera e que o próprio desconhecia. “As paisagens da região do Côa superior, que desconhecia, foram sem dúvida algo surpreendente pela sua beleza e pelo seu potencial na biodiversidade“, referiu após a experiência.

Várias estações, várias condições climatéricas, várias fases diferentes do ano. O documentário acabou por passar um pouco por todas elas, indo de Aveiro até à Serra da Malcata, percorrendo o Douro até chegar ao Vale do Côa, que conheceu, visitou e revisitou em pormenor. O lobo ibérico, difícil de registar e de conseguir imagens em contexto de proximidade, foi ator principal desta mensagem de esperança e perseverança que o próprio personifica, na forma como se adapta às novas realidades e como lida com as novas e constantes ameaças sem sucumbir.  “O mais complicado, mas sempre emocionante, foi mesmo o trabalho realizado com o lobo ibérico, provavelmente um dos animais mais difíceis de observar em Portugal. Dias consecutivos sem ver um animal… Mas algumas vezes a adrenalina ficou no máximo, quando tive a oportunidade de estar a menos de dez metros de dois exemplares, sem dúvida algo indescritível”. É assim que João Cosme descreve esta árdua tarefa que foi conseguir boas imagens de lobo ibérico nos últimos meses.

Mas há todo um conjunto incrível de espécies que ficaram para sempre gravadas na lente de João Cosme e posteriormente na memória de todos aqueles que já tiveram a oportunidade de assistir ao resultado final: aves, mamíferos, peixes, répteis, insetos… Nenhum ficou de fora!

Monitorização de flora, em conjunto com a Terra Prima, no Vale Carapito, Sabugal. Créditos: Rewilding Portugal

Muitas foram também as ações dos vários parceiros que foram gravadas para este trabalho, assim como as fundamentais entrevistas que explicam o papel de cada um nesta grande jornada que está ainda agora a começar. João Cosme e Fernando Teixeira, técnico de comunicação da Rewilding Portugal, registaram mais de uma dezenas de ações diferentes dos projetos e realizaram sete entrevistas, que se revelaram um ponto-chave para conseguir passar uma mensagem mais personalizada e autêntica para o público exterior.

Ficará sempre para memória futura um dos momentos mais cómicos do período de gravações, enquanto se acompanhava a equipa de deteção canina da Zoo Logical. A cadela Alice, responsável por identificar dejetos que ajudem à monitorização de lobo ibérico na área dos projetos, tinha de mostrar todas as suas capacidades durante as gravações. Por isso mesmo, a equipa escondeu um dejeto num local estratégico para que a mesma pudesse procurar até o encontrar, ficando tudo registado em câmara. A verdade, é que foi tão bem escondido que nem a própria equipa o conseguiu encontrar novamente. No entanto, e para surpresa de todos, a cadela encontrou outro diferente noutra localização, tendo assentado na perfeição nas gravações e mostrado o trabalho real a acontecer no terreno de forma totalmente inesperada e realista.

No final da gravação no terreno, João Cosme era um profissional realizado e agradavelmente surpreendido com a realidade que encontrou. “A parte rural da vida dos pastores que lidam com os lobos e as suas histórias foi algo que me fascinou. Além disso foi bom ver que felizmente existem pessoas com sensibilidade e que este processo depende também muito destes projetos de conservação e de um bom entendimento entre ambas as partes”, comentou.

João Cosme, durante as gravações com a equipa de deteção canina da Zoo Logical. Créditos: Rewilding Portugal
Rewilding Portugal

O exigente trabalho de produção e edição

Gravadas as imagens, surgiu o momento mais decisivo e último antes da estreia do filme: a sua produção e concretização. João Cosme trocou o campo pelo seu computador, a equipa da Rewilding Portugal trocou o acompanhamento das gravações por uma revisão pormenorizada da história, até ao momento da gravação da narração.

A escolha para a narração recaiu em Célia Gil, professora de português e coordenadora da biblioteca do Agrupamento de Escolas do Fundão, que na sua primeira experiência neste tipo de funções se revelou uma aposta acertada e a voz ideal para levar a mensagem de rewilding a todos os cantos de Portugal e do mundo. O que poderia ter sido uma missão demorada e pela noite dentro, acabou por ser feito em poucas horas e sem muitas tentativas, à exceção de um parágrafo que parecia destinado a ser repetido eternamente, mas até aí a narração e o filme acabaram por revelar-se um casamento perfeito e feito à medida.

O próprio documentário em si, a sua qualidade, e o magnífico texto, foram uma grande motivação para ter aceite este convite. Além disso, dar voz a projetos em que acreditamos torna tudo mais fácil e foi emocionante ver o resultado final no ecrã”, refere Célia Gil sobre esta nova experiência.

João Cosme, durante as gravações no laboratório de genética da Universidade de Aveiro. Créditos: Rewilding Portugal

Uma estreia de sucesso em duas frentes

Chegou então o momento de desvendar publicamente o trabalho de nove meses que tiveram tanto de exigentes como de prazerosos. O local escolhido para a tão aguardada estreia foi o Pequeno Auditória da Culturgest, em Lisboa, na noite do dia 27 de novembro. Com as necessárias precauções e seguindo todas as regras da DGS, houve direito a sala cheia (mais de sessenta pessoas) e o evento contou ainda com uma transmissão em simultâneo e completa nas várias redes sociais da Rewilding Portugal e dos seus media partners oficiais. A transmissão foi assegurada pela Bitmood, com mais de três câmaras a registar cada momento do evento, e contou com mais de quatro mil visualizações no próprio momento da estreia, uma aposta que se revelou um importante passo para a divulgação da mensagem de rewilding em Portugal e do trabalho desenvolvido por esta parceria alargada.

O evento contou com dois discursos de abertura, de Paula Sarmento (Direção da Rewilding Portugal) e Pedro Prata (líder de equipa da Rewilding Portugal), ainda antes do visionamento do filme. Destacou-se ainda a presença de Humberto Delgado Rosa, diretor para o Capital Natural D-G Ambiente, da Comissão Europeia.

No fim, houve ainda lugar a uma mesa redonda com o tema “Políticas de promoção de biodiversidade e renaturalização como motores de desenvolvimento do país e do Interior”, moderado por Linda Formiga (editora da Comunidade Cultura e Arte, media partner do evento e dos projetos) e que teve como oradores Pedro Prata (Líder de Equipa da Rewilding Portugal), Carlos Fonseca (Biólogo/Líder de Equipa da Universidade de Aveiro), Nuno Fazenda (Deputado e Professor Universitário, atualmente coordenador do Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Comissão Parlamentar de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território) e Ana Rainho (Gestora de Projetos da APTERN).

Linda Formiga (moderadora) e Nuno Fazenda (orador) durante o debate no evento de estreia. Créditos: Rewilding Portugal

 

Após o evento, o filme ficou imediatamente disponível para ser visto online de forma gratuita, podendo ser visto aqui.

 

Sobre os nossos projetos

O projeto LIFE WolFlux é financiado pelo programa LIFE da Comissão Europeia e cofinanciado pelo Endangered Landscapes Programme, enquanto que o projeto Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa é também ele financiado pelo Endangered Landscapes Programme, que é gerido pela Cambridge Conservation Initiative e financiado pela Arcadia, um fundo de caridade de Peter Baldwin e Lisbet Rausing.

A Rewilding Portugal conta em ambos os projetos com os seus parceiros: Rewilding Europe, ATNatureza, Universidade de Aveiro e Zoo Logical.

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