Descoberta arqueológica no Grande Vale do Côa reforça coexistência entre pessoas e vida selvagem

Maio 28, 2020

A descoberta de uma gravura rupestre de grandes dimensões de um auroque no Grande Vale do Côa dá uma perspectiva histórica importante para os esforços atuais de rewilding

Novas figuras rupestres que foram recentemente descobertas
DR | Fundação Côa Park

 

Uma relação ao longo dos tempos

Muitas das ações de rewilding que estão a ter lugar no Vale do Côa envolvem a promoção e reforço da coexistência entre as pessoas e a vida selvagem. Mas com o nosso foco no presente, é fácil esquecermo-nos  de que as relações entre o homem e a vida selvagem nesta área datam de há dezenas de milhares de anos. A natureza histórica desta dinâmica voltou a ser assunto de destaque, com a descoberta de um enorme auroque de 3.5 metros (uma espécie de gado que se extinguiu no século XVII), gravado numa rocha ao ar livre no Vale do Côa, local de arte rupestre pré-histórica que está listado como Património Mundial da UNESCO (parte do Parque Arqueológico do Vale do Côa).

Depois de remover uma enorme quantidade de sedimentos, os arqueólogos do Parque Arqueológico do Vale do Côa envolvidos nas escavações descobriram uma face rochosa de seis metros. Junto ao auroque, a equipa identificou outros animais nas gravuras – incluíndo um veado fêmea, um íbex e uma fêmea de auroque seguida por um bezerro – indicando o quão importantes eram os animais selvagens para os nossos antepassados europeus.

 

Um local único

Gravuras rupestres de auroques na reserva arqueológica do Vale do Côa.
STAFFAN WIDSTRAND / REWILDING EUROPE

A mais recente gravura de auroque descoberta é uma das maiores encontradas em todo o mundo. Os arqueólogos acreditam que deve datar de há mais de 23,000 anos – correspondendo ao final da Idade do Gelo (ou ao final do Paleolítico) – ainda que futuras análises no local tenham sido adiadas devido à pandemia do Covid-19. Esta descoberta destaca a cultura tremendamente rica do Vale do Côa, que complementa a natureza selvagem da região e aumenta muito a atração da área para os turistas.

“Esta nova descoberta é particularmente importante por diversas razões”, refere Thierry Aubry, gestor científico e técnico do Parque Arqueológico do Vale do Côa e do Museu do Côa. “Não apenas porque nos permite datar a mais antiga arte rupestre do Vale do Côa de forma mais exata, mas também aumenta o nosso conhecimento da expressão de simbologia das sociedades do Paleolítico, em que as representações ao ar livre como esta desempenharam um papel vital.”

O Vale do Côa contém milhares de gravuras rupestres ao ar livre de animais e humanos. Datada de cerca de 22.000 anos a.C., esta é a coleção mais antiga de arte da Idade da Pedra já encontrada em Portugal. Igualmente significativo é o facto de quase todas as gravuras do Côa terem sido criadas no exterior, o que é extremamente raro para a época da Idade da Pedra na Europa. Além disso, o vale também contém gravuras que datam dos períodos mais recentes do Neolítico (10.000 – 4.500 a.C.) e da Idade do Ferro (1.200 a 600 a.C.), com algumas gravuras religiosas datadas de há poucas décadas atrás.

 

Uma perspectiva contemporânea

Rio Côa serpenteando pela Reserva Natural da Serra da Malcata.
JUAN CARLOS MUÑOZ ROBREDO

Como demonstram as gravuras únicas do Vale do Côa, os nossos antepassados ​​europeus viveram lado a lado com poderosos auroques e uma variedade de outros animais durante milhares de anos, registando repetidamente a sua existência nestas representações em pedra. Hoje, enquanto o Grande Vale do Côa continua a ser um corredor natural para a vida selvagem, a sua funcionalidade tem vindo a diminuir devido à perda e degradação de habitat, perseguição à vida selvagem e falta de consciencialização sobre a importância da natureza selvagem e os muitos benefícios que ela proporciona.

Graças a uma doação substancial do Endangered Landscapes Programme, esforços intensificados de rewilding estão em andamento para reverter esse declínio. Com os esforços supervisionados pela Rewilding Portugal e respetivos parceiros (Universidade de Aveiro e ONGs portuguesas Zoo Logical e ATNatureza), o objetivo é fortalecer um corredor de vida selvagem de 120.000 hectares no Grande Vale do Côa, interligando a serra da Malcata, no sul, com o vale do rio Douro, no norte.

 

Promoção cultural

Os auroques ainda cativam as pessoas nos dias de hoje. Os seus parentes atuais ainda participam em projetos de pastagem natural por toda a Europa.
STAFFAN WIDSTRAND / REWILDING EUROPE

Os esforços de rewilding também incluem trabalho para promover o património cultural da área, que é consideravelmente enriquecido com esta nova descoberta arqueológica. Estas ações incluem preparativos para um novo festival local focado na cultura e na natureza da área, que está a ser conceptualizado pela Rewilding Portugal.

“A descoberta de uma obra de arte tão inspiradora relacionada com a natureza, aqui no Vale do Côa, acentua o contexto histórico e cultural do nosso trabalho de rewilding”, diz Pedro Prata, líder da equipa da Rewilding Portugal. “Apesar de extintos, os grandes auroques que outrora habitaram esta área ainda cativam as pessoas nos dias de hoje, pois claramente marcaram a pessoa que os inscreveu nesta gravura incrível”.

 

Restauração à escala da paisagem

Fundado em 2018, o Endangered Landscapes Programme está a construir um futuro em que as paisagens estarão enriquecidas com biodiversidade, estabelecendo ecossistemas resilientes e mais auto-sustentáveis que beneficiarão tanto a natureza como as populações. Foi estabelecido com um investimento de mais de 30 milhões de euros pela Arcadia, um fundo de caridade do Reino Unido fundado pelos filantropos Lisbet Rausing e Peter Baldwin. Apoiando caridade e instituições que preservam o patrimónico cultural e ambiental, a Arcadia foi premiada com mais de 500 milhões de euros para utilizar em projetos por todo o mundo desde 2002.

 

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