A munição utilizada na caça é atualmente uma das maiores fontes de emissões de chumbo para o ambiente na Europa. Por isso mesmo, a Rewilding Portugal, em parceria com a Cacicambra, está a organizar ações de formação para o uso de munição alternativa sem chumbo. A primeira decorreu no mês de Setembro.
Os efeitos negativos do chumbo no Grande Vale do Côa
A munição utilizada na caça é atualmente uma das maiores fontes de emissões de chumbo para o ambiente na Europa, estimando-se que por ano sejam dispersadas mais de 21 000 toneladas de chumbo resultantes da atividade cinegética 1. O chumbo é um metal pesado tóxico, com efeitos nefastos nos seres vivos e com impacto na conservação de várias espécies ameaçadas. Quando absorvido pelo organismo o chumbo afeta praticamente todos os sistemas corporais, prejudicando a saúde geral, a capacidade reprodutiva e as faculdades mentais e reprodutoras.
No Grande Vale do Côa estão presentes várias espécies de aves de rapina nacionalmente ameaçadas de extinção, e cuja capacidade de recuperação pode beneficiar com a redução de chumbo no meio ambiente. Este é o caso do abutre-preto (Aegypius monachus) e do britango ou abutre-do-Egipto (Neophron percnopterus), aves necrófagas que se alimentam de cadáveres de animais mortos, e também da águia-real (Aquila chrysaetos), e da águia-de-Bonelli (Hieraaetus fasciatus), aves predadoras que partilham presas com os caçadores, como por exemplo a perdiz-vermelha e o coelho-bravo.
Promover o uso de munições sem chumbo
No âmbito do projeto “Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa”, a Rewilding Portugal, em parceira com a Cacicambra – Comercio e Industria De Artigos De Caça, está a organizar ações de formação para o uso de munição alternativa sem chumbo na caça maior. Estas ações têm como objetivo aumentar a consciência sobre a contaminação com chumbo proveniente de munição e fomentar boas práticas ambientais na atividade cinegética na região, tendo como público-alvo os membros das associações de caça e gestores cinegéticos do Vale do Côa.
A primeira destas ação de formação decorreu no dia 19 de setembro deste ano. O evento contou com uma sessão teórica, na qual foram apresentados aos participantes vários tópicos relacionados com o tema, desde os impactos da munição com chumbo no ambiente e na saúde até à evolução e oferta de munição alternativa no mercado. Esta sessão contou ainda com uma enriquecedora palestra sobre balística dada pelo Prof. Adalberto Fernandes, um dos principais especialistas na área em Portugal.
Durante a tarde, foi realizada uma sessão prática no Complexo de Tiro Douro Sul, em Tarouca, distrito de Viseu. Neste momento, os participantes tiveram oportunidade de utilizar as suas próprias armas em carreira de tiro para experimentar munições sem chumbo de diferentes marcas. No final do dia os participantes receberam estas munições para que possam testá-las durante a sua atividade cinegética normal e comprovar a sua performance em campo. Quando inquiridos sobre a qualidade da formação todos os participantes consideraram a atividade como muito positiva e a maioria considerou que irá usar este tipo de munição no futuro. No final desta época venatória os participantes serão novamente inquiridos acerca da sua satisfação com as munições entregues, após terem tido oportunidade de as usar em caça.
Um problema sério para a saúde e vida selvagem
Entre as espécies mais ameaçadas pela contaminação por chumbo estão várias aves aquáticas e terrestres que ingerem acidentalmente fragmentos de chumbo misturados com sedimento durante a sua alimentação, como os patos ou as perdizes, e também aves de rapina predadoras ou necrófagas, que podem caçar ou comer os cadáveres de animais contaminados ou alvejados com chumbo 2,3,4. A concentração de chumbo vai aumentando no organismo destes animais, até atingir valores que acabam por causar sintomas graves, como a incapacidade de se mover e alimentar, e causando por fim a morte. A contaminação com chumbo usado em munição não afeta só os animais selvagens mas também a saúde das pessoas que consomem carne de caça, uma vez que ao atingirem o alvo os projeteis de chumbo fragmentam em pedaços não visíveis a olho nu e são facilmente ingeridos inconscientemente. Vários estudos têm verificado que a concentração de chumbo no sangue é em média significativamente mais elevada em caçadores e seus familiares próximos do que no resto da população 5,6. Devido acumulação no ambiente, o chumbo despendido durante a caça pode também contaminar água e solos, afetando uma parte maior da população através dos recursos hídricos ou alimentos produzidos em locais com intensa atividade cinegética.
Nos últimos anos têm-se assistido a uma rápida expansão no mercado das munições alternativas sem chumbo. De acordo com o Dr. Rui Pereira e a Dr. Susana Silva, representantes da Cacicambra, atualmente existe uma grande diversidade de alternativas à munição convencional, equiparadas em termos de performance e preço para a maioria dos calibres utilizados na caça maior, sendo que a maior parte das grandes marcas do setor já apostou nesta tecnologia. Com a crescente procura de munição sem chumbo, é esperado que a investigação e desenvolvimento nesta área continuem em rápida evolução, oferecendo aos caçadores cada vez mais alternativas e performances melhoradas com menor impacto no ambiente e na saúde.
Em conjunto com os seus parceiros, a Rewilding Portugal pretende continuar a realizar estas formações ao longo do período do projeto e contar com a participação do máximo possível de caçadores do Vale do Côa. O projeto “Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa” é financiado pelo Endangered Landscapes Programme e coordenado pela Rewilding Europe, em parceria com a Rewilding Portugal, a Universidade de Aveiro, a Associação Transumância e Natureza e a Zoo Logical. O planeamento destas ações foi realizado em colaboração com a Associação Transumância e Natureza, que tem dinamizado formações sobre este tema no âmbito do projeto “Anti-envenenamento no Mediterrâneo” coordenado pela Vulture Conservation Foundation.
FONTES:
- https://echa.europa.eu/documents/10162/13580/abatement+costs_report_2013_en.pdf/6e85760e-ec6d-4c8a-8fcf-e86a7ffd037d
- https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0269749115003073
- https://pubs.acs.org/doi/10.1021/es800215y
- https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-23573-8_6
- https://flore.unifi.it/retrieve/handle/2158/665514/21253/art%253A10.1007%252Fs00244-012-9791-2.pdf
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4980321/