“Instituições como a Rewilding são fundamentais no esclarecimento e demonstração de resultados de práticas sustentáveis”

Junho 15, 2022

Paulo Poço é o diretor técnico da ACRIGUARDA, uma organização de produtores pecuários do concelho da Guarda. Nesta entrevista ficamos a conhecê-lo um pouco melhor, à sua visão para o território e ao papel da Rewilding Portugal nos novos paradigmas do setor.

Quais os principais objetivos da ACRIGUARDA e quais têm sido os principais desafios nos últimos anos? Quais as principais funções do Paulo?

Começando pelo fim da pregunta, eu sou o diretor técnico da associação, que tem como principal objeto a prestações de serviços aos nossos associados, que são maioritariamente produtores pecuários. Esta prestação vai desde a inseminação artificial e saneamento do efetivo pecuário até à elaboração de todo o tipo de candidaturas a fundos comunitários no âmbito agropecuário e de aconselhamento agrícola.

 

A Rewilding Portugal tem estado a trabalhar com produtores pecuários do concelho da Guarda desde 2019. Do ponto de vista do Paulo, considera que isso tem sido uma mais-valia para os produtores locais?

Este tipo de parceria é sempre uma mais-valia para ambas as instituições. Os agricultores serão sempre os verdadeiros preservadores da natureza, mas para que esta preservação seja bem feita, é necessário um esclarecimento e um acompanhamento destes produtores, para que não cometam erros ou minimizem os impactos da sua atividade. Por sua vez, instituições como a Rewilding Portugal são fundamentais neste tipo de parceria, nomeadamente no esclarecimento e demonstração de resultados de práticas sustentáveis e na divulgação dessas práticas para o público em geral, que os ouve e apoia mais facilmente.

 

O aumento no número de explorações pecuárias de bovinos em regime extensivo nos últimos anos tem criado um desafio adicional na coexistência com o lobo-ibérico. Quais as medidas que considera mais eficazes para proteger este tipo de gado na região e porquê?

Os hábitos de criação de gado modificaram-se basicamente devido à falta de mão de obra nas aldeias – desertificação. O gado deixou de recolher aos estábulos e de ter a tripla aptidão (carne, leite e trabalho), permanecendo todo o tempo no campo. Em primeiro lugar, as compensações das perdas de gado por causa do lobo têm que ser mais céleres na resolução, bem como os montantes têm de ser revistos. Esta solução acalmaria o ódio dos produtores. A seguir todas as partes envolvidas deverão refletir sobre as práticas a implementar para minimizar as perdas de todos, tendo em atenção não só o bem-estar animal, mas também a preservação da biodiversidade, pois trata-se de um bem de valor incalculável. Para tal, teremos de trocar ideias, demonstrar a mais-valia da preservação da natureza, visitar outros exemplos e adaptá-los à nossa realidade, ajudar a implementar um turismo da natureza etc.

 

Qual o maior desafio neste momento no que toca à coexistência com o lobo-ibérico?

Acalmar os produtores e conseguir calar as vozes causadoras desta instabilidade. Conseguir trazer todos para a mesa das negociações.

 

Quais são os contributos que os produtores pecuários com boas práticas podem trazer para a proteção do ambiente e uma maior sustentabilidade do setor pecuário?

Os produtores pecuários serão a principal garantia, quando bem orientados, da preservação do ambiente. As suas explorações são o corta-fogo natural num território desertificado e abandonado. Devido às condições edáficas da região os seus encabeçamentos são muito baixos (0.2 cabeças normais/ha), o que permite uma harmonia e sustentabilidade entre a natureza e a sua exploração pecuária. A manutenção dos lameiros tradicionais e a implementação de prados bio diversos para alimentação dos efetivos incrementa o sequestro de carbono. A utilização dos terrenos externos à exploração pecuária para produção de cereais, que serão enfardados e utilizados na escassez de alimento, mantêm os terrenos limpos e alimentam a fauna cinegética, desde cervídeos a coelhos, lebres, e perdizes. São estes produtores os grandes responsáveis pela preservação das arvores autóctones (carvalho negral, azinheiras, carrasqueiras, freixos e medronheiros), que eles tanto admiram, porque não só melhoram o solo com o incremento da matéria orgânica resultante da queda das folhas, como servem de alimento com a produção de bolota e protegem os seus animais das adversidades climatéricas.

 

No futuro, o que é que gostaria de ver acontecer aqui na região, a nível da coexistência entre a produção pecuária e a conservação da natureza e restauro ecológico do Grande Vale do Côa?

Gostaria que as várias entidades e parceiros olhassem para tudo isto como uma mais valia no incremento de um turismo diferenciado, de valor acrescentado, virado para a sustentabilidade das explorações biológicas de raças autóctones perfeitamente adaptadas à região, com produção de produtos endógenos, com caça gerida, que permita a preservação dos cervídeos e controlo de javalis para alimentação do lobo e o controlo efetivo dos coelhos, lebres e perdizes bravas sem introdução de espécies de cativeiro, que facilmente e desordenadamente são misturadas com aquelas que existem e muitas vezes levam à sua extinção. Sei que este tema da caça é controverso, no entanto a gestão da mesma de forma consciente e que efetivamente preserve os seus habitats e os alimente, poderá trazer para a região um turismo de natureza e cinegético com mais poder económico, dando aos residentes melhores condições de vida e tornando a região mais atrativa, evitando o seu abandono.

 

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