Hoje, é o Dia Mundial da Vida Selvagem. Hoje, há menos vida selvagem no nosso planeta do que em qualquer outro momento na história da raça humana. A degradação do mundo natural e o desaparecimento de espécies está a ser de tal modo rápido, que estamos a atravessar um fenómeno conhecido como uma extinção em massa, algo que está acontecer apenas pela sexta vez desde o surgimento da vida na terra. Esta nova época geológica, marcada pelo impacto do ser humano, já foi batizada como o antropoceno.
Em Portugal, a acentuada curva de diminuição de espécies selvagens é bem visível a qualquer pessoa que se dê ao esforço de observar as nossas áreas protegidas e as espécies que saltam à vista, seja pela sua raridade ou pela sua inexistência. Dos relatos e crónicas do passado sabemos que a vida selvagem era muito mais diversa e abundante, e que hoje essa abundância e diversidade estão em falta nas nossas paisagens. Os motivos que levaram a esse declínio são conhecidos, e urge agora, assente neste conhecimento, começar a recuperar o que se perdeu. A esse processo de trazer a natureza de volta, chamamos renaturalização ou rewilding.
Ao mesmo tempo, sabemos hoje, mais que nunca, que todas as formas de vida na terra estão em plena interdependência e em co-desenvolvimento. A ecologia aplicada permite-nos, com ferramentas simples e de eficácia reconhecida, recuperar ecossistemas degradados e empobrecidos de espécies, gerando oportunidades para que a natureza se possa regenerar e a vida selvagem regressar.
Hoje, a vida selvagem sobrevive em locais recônditos que escaparam às ameaças e impactos causados por longos e penosos anos de arrogância humana, com as nossas economias assentes na razão determinística e na crença do progresso, sem consideração pelas demais formas de vida com quem partilhamos a existência neste planeta.
O Dia Mundial da Vida Selvagem celebra essas demais formas de vida, mas estas não se compadecem com a sua simples evocação. É necessário que as sociedades humanas entendam o quão interdependentes estamos todos neste albergue planetário que gira à volta do sol.
Precisamos de ser humildes e dignos enquanto espécie para reconhecer o mal que causámos e que ainda estamos a causar, assim como a oportunidade histórica que se apresenta para não apenas elegermos um Dia da Vida Selvagem mas um ano ou uma década, mas antes estabelecermos o compromisso para com as gerações futuras de lhes proporcionar um mundo mais abundante de vida selvagem e um habitat humano que seja beneficiado pela qualidade da natureza envolvente.
A crise climática ameaça-nos a todos, e dependemos das redes de suporte dos ecossistemas, e da capacidade de regeneração do mundo natural para se adaptar e harmonizar com as alterações já causadas. É aqui que o ser humano deve ser humilde o suficiente para confiar na capacidade intrínseca da natureza que por vezes nos é tao difícil de entender e respeitar.
O contexto cultural e socioeconómico em que vivemos reúne também todas as condições necessárias para que possamos fazer as alterações necessárias para vivermos de forma mais sustentável. Décadas de declínio populacional nas zonas rurais e marginais da Europa, e ante sucessivas crises não redundou num regresso massivo ao campo para uma economia de subsistência generalizada. Pelo contrário, os terrenos agrícolas com fraca aptidão têm sido relegados a um abandono que do ponto de vista da vida selvagem é uma oportunidade única para assegurar o seu regresso.
Este processo de abandono rural em Portugal está a criar uma oportunidade única de trazer a natureza e a vida selvagem de volta no nosso país. Não basta proteger aquilo que ainda não foi destruído. Está na hora de restaurar em larga escala o nosso património natural. Neste Dia Mundial da Vida Selvagem, está na hora de reconhecer que chegou o momento de trazer a vida selvagem de volta.
Pedro Prata,
Líder de Equipa da Rewilding Portugal