Visão para a Quinta de Santa Margarida: um oásis de biodiversidade no planalto raiano

Dezembro 10, 2021

A Quinta de Santa Margarida, que durante muito anos serviu de fonte de minério e emprego na região raiana entre os concelhos do Sabugal e Almeida, foi recentemente adquirida pela Rewilding Portugal que pretende agora transformar o espaço numa reserva para a vida selvagem. Este artigo expõe a visão da Rewilding Portugal para o local, com vista à promoção do rico património natural desta região.

Créditos: Blue Nomads / Rewilding Europe

Primavera de 2040 no Grande Vale do Côa, nascente do rio Toirões. O que começou com uma propriedade de quase 300 hectares, são hoje 3,000 hectares dedicados à conservação da natureza, num corredor transfronteiriço que conecta o rio Côa ao planalto da meseta ibérica. Começa entre a foz do Cesarão e a colina de Badamalos, avança pelo Vale Carapito e por entre florestas maduras caducifólia (dominadas por carvalho negral), até que encontra a zona húmida da antiga Quinta de Santa Margarida, hoje conhecida como Paul dos Toirões.

Neste oásis do Grande Vale do Côa, a água, escassa no planalto, é aqui abundante. Grandes transformações de maquinaria moldaram a antiga mina em zonas de lagos, deltas, charcos temporários e carriçais. O regresso do castor mantém a zona húmida num estado dinâmico e diverso. A floresta de carvalho negral é hoje densa e matura, com árvores silvestres de fruto, como macieiras-bravas, pereiras-bravas, abrunhos, cerejeiras, mostajeiros e castanheiros. Da antiga plantação de Cupressus apenas ficam alguns indivíduos de grande porte, usados pelas aves de rapina para construir os seus ninhos.  Os charcos principais estão agora cobertos por um manto de plantas aquáticas submersas e salpicados de nenúfares de flores brancas e amarelas que dão cor aos lagos e abrigo a anfíbios, répteis, libelinhas e moluscos, ou mesmo à tutra lacustres, símbolo maior do sucesso deste restauro ecológico que continua a acontecer e a fervilhar nesta região.

Créditos: Blue Nomads / Rewilding Europe

A presença de uma comunidade diversa de grandes herbívoros, como veados, cavalos Sorraia e tauros, previne incêndios florestais ao controlar a quantidade de biomassa e cria as condições para pequenos animais prosperarem.

A abundância de patos, pombos, perdizes e coelhos criou as condições ideais para o regresso do carismático lince ibérico e da majestosa águia imperial, assim com a nidificação de diversas aves de rapina. As boas densidades de javali e corço, aliadas à expansão da população de veado de Espanha  e a Serra da Malcata para esta área, favoreceram o lobo ibérico, que sempre habitou na região, mas que agora se alimenta de presas silvestres, em vez de animais domésticos, e desempenha o seu papel de predador de topo no ecossistema. Nos céus, três das quatro espécies de necrófagos podem ser avistadas. O castanho grifo, o branco abutre-do-Egipto e o imponente abutre-preto beneficiam do aumento das carcaças de animais, graças à presença do lobo que caça grandes herbívoros. Com a presença de diversos predadores de topo, as abundâncias de raposa, saca-rabos e javali, outrora descompensadas, diminuíram e estabilizaram.

Créditos: Blue Nomads / Rewilding Europe
RICARDO FERREIRA

A presença de uma grande diversidade de invertebrados associados aos ambientes aquáticos como moluscos, insetos e lagostins, assim como as várias espécies de anfíbios e répteis que habitam as lagoas criam uma complexa teia alimentar que sustem  aves residentes e migratórias, na passagem de Primavera e de Outono. Um casal da bela águia pesqueira nidifica agora na região e vários casais de cegonha preta nidificam em grandes árvores do Paul, enquanto os ninhos de garças-reais podem ser observados nos salgueiros mais inacessíveis. Grandes grupos de espécies migratórias podem ser observados nas diferentes estações, num espaço sempre dinâmico e sempre cheio de vida, onde uns visitantes alados dão lugar aos outros com o mudar das estações. A remoção de grandes extensões de arrame farpado, facilitou as passagens e dispersões de animais.

Visitantes e estudantes de Portugal e da Europa visitam o Grande Vale do Côa e o oásis desta Quinta é agora uma das joias desta paisagem selvagem. Sucedem-se migrações de herbívoros entre o vale e o planalto, ao ritmo das estações.  Grandes herbívoros são um espetáculo digno de ver na paisagem, como na altura da brama do veado, nas lutas do cavalos selvagens ou nos duelos das imponentes vacas maronesas. E a diversidade de aves dá cor e sol ao céu azul.

Créditos: Blue Nomads / Rewilding Europe

O desenvolvimento desta nova zona natural criou novas oportunidades económicas para as populações locais, através de benefícios indiretos em serviços de ecossistemas. As folhas da floresta cobriram o solo num manto onde a matéria orgânica aumentou, também graças aos excrementos dos grandes herbívoros. Os solos nus de antigamente cobriram-se de pastagens naturais diversas e de florestas mais húmidas. Agora todo o sistema filtra mais água e capta mais carbono diretamente da atmosfera, um modelo de negócio que levou muitos vizinhos a associarem-se à cooperativa de créditos de carbono adotando as melhores praticas pra esta importante função das paisagens naturalizadas.

Os aquíferos, agora, resistem melhor aos períodos de seca, proporcionando água às aldeias da região, quando em outras áreas escasseia. A Ribeira de Toirões não está seca tanto tempo como antigamente, alimentada pelo Paul que funciona como uma esponja absorvendo a chuva menos frequente e mais instável.

Empregos diretos , na forma de turismo de natureza, um exemplo pioneiro de desenvolvimento económico de mão dada com a conservação e restauro da natureza. As aldeias e vilas com a sua carga histórica e mística tão própria são a porta de entrada para um novo mundo selvagem a fervilhar de vida. O renascer da natureza levou ao rejuvenescimento destas pequenas aldeias.

A antiga mina renaturalizada numa zona pantanosa para o benefício de pessoas e natureza é a metáfora ideal para uma nova economia que, ao invés de destruir e explorar, restaura e conserva. Nestes tempos incertos de alterações climáticas e extinções em massa, é esta a escolha certa.

Créditos: Blue Nomads / Rewilding Europe
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