Um estudo realizado pela Universidade de Aveiro demonstrou que os esforços de rewilding no Grande Vale do Côa, em Portugal, estão a contribuir para o regresso dos corços à paisagem. Esta é uma boa notícia para o lobo-ibérico e para os produtores locais.
Melhorar a coexistência entre humanos e lobos
Os lobos-ibéricos são predadores fundamentais que ajudam a manter a saúde e a funcionalidade da natureza selvagem. A sul do rio Douro, a equipa da Rewilding Portugal tem trabalhado para apoiar a recuperação da população local de lobo-ibérico, que atualmente é composta por apenas um punhado de alcateias dispersas. A falta de presas naturais, como o corço, significa que estas alcateias não têm outra opção senão atacar o gado doméstico, o que causa conflitos com os produtores e muitas vezes resulta na perseguição do animal. É por isso que a equipa iniciou um programa de cães de gado, que recentemente viu o 101º cão ser entregue a um produtor local.
A equipa da Rewilding Portugal também tem vindo a realizar medidas para apoiar o regresso do corço a sul do Douro desde 2019. Estas também têm o potencial de melhorar a coexistência entre humanos e lobos, ajudando a reduzir a predação do lobo no gado. As medidas, que envolvem o restauro de habitats e o estabelecimento de zonas de não caça, fazem parte de um programa de rewilding em escala, realizado com financiamento do Programa ELSP e do Programa LIFE da Comissão Europeia.
Impacto positivo
“A tendência de aumento da abundância e da área de distribuição do corço é muito bem-vinda”, diz Sara Aliácar, Diretora de Conservação da Rewilding Portugal. “Embora os corços estejam a regressar à paisagem independentemente das medidas de rewilding, os nossos esforços estão a ajudar a reforçar o processo. A colaboração com as freguesias, proprietários de terras e associações de caçadores tem sido vital para o sucesso destes esforços.”
O inquérito revelou um crescimento da população de corços em todas as áreas de amostragem, incluindo as áreas centrais do corredor de vida selvagem do Grande Vale do Côa, coincidindo com o início dos esforços de rewilding destinados a apoiar o regresso destes mesmos corços. Significativamente, revelou aumentos notáveis no número de corços em todas as áreas de rewilding onde a equipa da Rewilding Portugal tem levado a cabo medidas de restauro ecológico, tais como Vale Carapito, Paúl de Toirões e Ermo das Águias. As populações de javali, outra espécie de presa importante para o lobo-ibérico, também registaram um aumento significativo em todas as áreas de amostragem.
“O aumento da disponibilidade de presas naturais para o lobo-ibérico a sul do Douro ajudará a manter a viabilidade a longo prazo das subpopulações de lobo”, afirma Sara Aliácar. “São também boas notícias para os produtores. As presas selvagens têm sido escassas na área de estudo há décadas – se os lobos tiverem uma alternativa, a predação do gado poderá diminuir”.
Promover a expansão da população
Para apoiar o regresso do corço, a equipa da Rewilding Portugal levou a cabo uma série de medidas para restaurar o habitat no Grande Vale do Côa e arredores. Apoiaram associações de caçadores locais e gestores de terrenos baldios na criação de 35 charcos, na recuperação de áreas que foram queimadas por incêndios, na plantação para recuperar os bancos de sementes de árvores e na limpeza de arbustos para restaurar os prados, promover a regeneração natural e reduzir o risco de incêndio. Dentro das áreas rewilding, vários hectares de terra foram declarados zonas de caça proibida. Em toda a área de estudo, a caça ao corço é limitada, uma vez que as densidades populacionais são demasiado baixas.
Quanto ao seu regresso à paisagem do Grande Vale do Côa, os resultados do estudo mostram que os corços se deslocam de sul para norte e de este para oeste. As maiores abundâncias de corços encontram-se atualmente no sul da paisagem.
“Apesar de o corço já se encontrar amplamente distribuído pelo Grande Vale do Côa, os esforços futuros devem centrar-se na promoção da expansão da espécie para oeste”, afirma Sara Aliácar. “Em colaboração com a Universidade de Aveiro, desenvolvemos um plano de gestão cinegética com as associações de caçadores locais, que abrange 16.000 hectares de terreno. É importante que estas associações estejam envolvidas nas medidas de apoio ao regresso da espécie.”
A disponibilidade de outras espécies de presas selvagens para o lobo-ibérico a sul do Douro poderá em breve tornar-se um fator de redução da predação de gado. Após a reintrodução do veado no centro de Portugal nos anos 90 e início dos anos 2000, a equipa da Rewilding Portugal está agora a registar a espécie pela primeira vez no Grande Vale do Côa. Estão também a defender a reintrodução da cabra-montês no Parque Natural da Serra da Estrela. Uma subespécie desta espécie – o ibex português – encontrava-se disseminada nas zonas acidentadas de Portugal, mas a caça e a perda de habitat levaram à sua extinção na década de 1870. Na sequência de reintroduções, outra subespécie desta cabra está atualmente presente em pequenos números no Parque Nacional da Peneda-Gerês, no norte de Portugal.
Monitorização em curso
No futuro, a equipa da Rewilding Portugal continuará a monitorização do corço nas áreas de rewilding distribuídas pela paisagem do Grande Vale do Côa. A monitorização também será realizada pela equipa e pela Universidade de Aveiro no âmbito do recém-lançado projeto LIFE LUPI LYNX, que contará com a colaboração de vários parceiros para apoiar a recuperação das populações de lince-ibérico e lobo-ibérico a sul do rio Douro em Portugal e Espanha.