Um ano depois da primeira manada de cavalos Sorraia ter chegado ao Grande Vale do Côa, existe agora mais uma área rewilding a receber uma manada, o Ermo das Águias, em Vale de Madeira, no concelho de Pinhel. A área fica aberta a visitação em breve.
No passado sábado, dia 23 de abril, a Rewilding Portugal, na sua área rewilding do Ermo das Águias, localizada junto à povoação de Vale de Madeira, no concelho de Pinhel, recebeu a comunidade local e muitos outros convidados, parceiros e amigos para assistirem à libertação de mais uma manada de cavalos Sorraia em estado semisselvagem no território.
O evento começou às portas do Centro Rewilding, onde todos os presentes foram recebidos e informados de como ia decorrer o evento de libertação. De destacar a presença de duas embaixadoras muito especiais neste evento, as atrizes Ana Varela e Sara Prata, que acompanharam todo o evento e dele fizeram promoção, para ajudar a transmitir a importância de iniciativas como esta. Depois da recepção inicial, o grupo presente deslocou-se para o local de libertação.
A libertação foi muito rápida, com os novos habitantes do Ermo das Águias a galgar terreno rumo a uma nova vida em liberdade, sem maneio humano e a recuperarem o seu papel ancestral de gestão da paisagem e da biomassa que era realizado pelo seu antepassado, o cavalo selvagem, assim como por outros grandes herbívoros. A manada afastou-se naturalmente, rumo a um ponto mais alto da área, para poderem finalmente desfrutar desta sua nova realidade que acarreta também uma missão de elevada responsabilidade, mas à qual respondem naturalmente como a sua própria essência indica.
Os presentes tiveram depois oportunidade de observarem os primeiros comportamentos destes cavalos em estado semisselvagem ao longe, através de binóculos e telescópios preparados para a ocasião, antes de regressarem ao Centro Rewilding, onde houve lugar a um almoço-convívio
O cavalo Sorraia e a sua função
O cavalo Sorraia, raça autóctone portuguesa, tem uma população de apenas cerca de 200 exemplares em todo o mundo. Por esse mesmo motivo, a escolha destas manadas para as áreas rewilding consiste também num esforço e contributo para a sua conservação e valorização.
Tido como uma reminiscência do ancestral selvagem do cavalo ibérico, o Cavalo Sorraia tem este nome por ter sido uma espécie recuperada a partir dum núcleo de animais que foi encontrado no vale do Rio Sorraia, em Coruche. São cavalos de pequena estatura (1.44 a 1.48m em média), com uma pelagem de baio pardo ou rato, com lista de mulo e maior ou menor evidência de zebruras na cabeça e nos membros. Estes cavalos apresentam diferenças entre si quanto à sua pelagem, com alguns a serem baio pardo, e outros com coloração rato, que pode ser mais clara ou mais escura.
Os Sorraias são cavalos selvagens extremamente resistentes às condições ambientais, algo que herdaram dos seus primitivos ancestrais, cuja função se pretende recuperar nos ecossistemas. Enquanto herbívoros, têm um papel fundamental, porque ajudam a modelar a floresta, mantendo pastagens e áreas abertas, através do pastoreio natural. São ainda ótimos aliados para diminuir o risco de incêndios florestais e rurais, uma das maiores ameaças em Portugal que se tem agravado nos últimos anos. O objetivo atual passa por continuar a utilizar esta espécie e as suas funções semisselvagens enquanto grande herbívoro, pois têm uma enorme importância no consumo e gestão da biomassa, criando novos mosaicos na vegetação.
O Ermo das Águias
Acompanhando a margem oeste do Rio Côa, o Ermo das Águias marca uma transição importante na paisagem do vale fluvial: aqui terminam os declives suaves que ladearam o rio desde a nascente, e começam as fragas e escarpas agrestes que o encaminharão até à sua foz, no rio Douro.
Os matos e a rocha nua dominam a paisagem, em parte devido às condições do solo, mas também ao impacto do fogo e da pastorícia nos últimos séculos. No entanto, o processo de renaturalização é já evidente nos bosquetes de carvalho-negral, e nas pequenas azinheiras e sobreiros que surgem entre os seus parentes seculares de grande porte. Ao longo das linhas de escorrência de água, os prados húmidos recuperam a sua diversidade florística, anteriormente suprimida pela intensidade do pastoreio, que se concentrava nestes locais de maior produtividade. As encostas são regularmente sobrevoadas por algumas das aves mais emblemáticas da região, como a águia-real, a cegonha-preta e o grifo, e as ruínas de um antigo fojo, uma estrutura em pedra utilizada para caçar lobo-ibérico, atestam a presença ancestral deste predador nestas terras.
Ao longo deste ano, a Rewilding Portugal está a desenvolver aqui vários trabalhos de monitorização de biodiversidade e ações de conservação, assim como o planeamento de rotas de visitação, esperando-se que esteja aberto a tal muito em breve.
O projeto Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa é financiado pelo Endangered Landscapes Programme, que é gerido pela Cambridge Conservation Initiative e financiado pela Arcadia, um fundo de caridade de Peter Baldwin e Lisbet Rausing. A Rewilding Portugal conta neste projeto com os seus parceiros: Rewilding Europe, ATNatureza, Universidade de Aveiro e Zoo Logical.