Ao detetar e registar a presença de lobo ibérico na sua área de distribuição a sul do rio Douro, Duarte Cadete e a sua cadela Alice estão a apoiar a recuperação desta espécie icónica e ameaçada.
Colegas de trabalho
Demora apenas um minuto para se perceber que o biólogo Português Duarte Cadete e Alice – uma cadela sem raça definida de seis anos resgatada dum canil – têm um vínculo inseparável. Já trabalham juntos desde 2015, e os dois dependem e confiam um no outro implicitamente. Visto que esta dupla está a estudar a área de Rewilding do Oeste Ibérico em busca de indícios de presença de lobos, este tipo de relação próxima é fundamental.
“O poder de um cão de deteção bem treinado e experiente é enorme”, diz Duarte. “Se tiverem estado lobos na área, mais ou menos recentemente, a Alice consegue detetar a sua presença. Ela é a minha melhor amiga e a minha colega de trabalho.”
Apoiar a recuperação do lobo ibérico
Duarte Cadete e Alice trabalham para a Associação sem fins lucrativos Zoo Logical, uma das organizações parceiras de Rewilding Europe na área de Rewilding do Oeste Ibérico. Os dois estão envolvidos no projeto LIFE WolFlux que começou no início de 2019. A dupla está encarregue de monitorizar a área de distribuição do lobo ibérico a sul do rio Douro, detetando a presença de lobo através da localização e discriminação no terreno dos seus dejetos (amostras fecais).
“O nosso trabalho vai permitir perceber melhor quantos lobos existem na área, por onde eles se deslocam, conhecer os seus perfis genéticos e quais as áreas prioritárias para aplicar esforços de conservação”, diz Duarte. “Esse conhecimento é essencial e vai-nos ajudar a proteger esta espécie-chave e apoiar a sua recuperação.”
Um papel crítico
O projecto LIFE WolFlux, cofinanciado pelo programa LIFE da Comissão Europeia e pelo Programa de Paisagens Ameaçadas, é coordenado pela Rewilding Portugal, que supervisiona atividades de “rewilding” na área do Oeste Ibérico, concentrando-se nos distritos da Guarda e Viseu. O objetivo do projeto é aumentar a conectividade da subpopulação portuguesa do lobo a sul do rio Douro, minimizando o conflito entre humanos e lobos, reduzindo o risco de incêndios rurais, aumentando a tolerância e desenvolvendo uma economia local baseada na natureza.
Para atingir estes objetivos o trabalho de Duarte e Alice é crítico – as amostras de dejetos e os dados recolhidos vão ser usados de várias maneiras. A frequência e a localização dos dejetos permitirão obter uma melhor ideia da distribuição do lobo, o que será útil para tomar decisões ao longo do projeto sobre as ações de conservação a desenvolver.
As amostras recolhidas por Duarte são enviadas para a Universidade de Aveiro para serem analisadas, fornecendo informação sobre a dieta e a genética do lobo na região. O desenvolvimento de uma base de dados abrangente de perfis genéticos do lobo a sul do rio Douro permitirá uma avaliação adequada da dinâmica genética de toda a subpopulação. Isso, por sua vez, ajudará a identificar onde há falta de conectividade entre as alcateias.
Um dia na vida
Duarte Cadete e Alice estão no campo quase todos os dias da semana. Ter uma área tão grande para monitorizar significa que o seu trabalho provavelmente durará até ao outono (uma monitorização semelhante também será conduzida no final do projeto LIFE WolFlux daqui a cinco anos). O par vive no município de Moimenta da Beira, localizado no centro do país, uma área com paisagens pitorescas de pequenas aldeias, campos agrícolas e serranias graníticas cobertas de florestas e arbustos.
Um dia de monitorização começa com o passeio matinal de Alice e uma verificação do equipamento. Duarte seleciona áreas que contêm habitat potencial de lobo – as áreas de monitorização normalmente coincidem com caminhos florestais, agrícolas e cumeadas de serras. Dependendo da temperatura e da frequência da amostragem, o par pode viajar até 15 quilómetros por dia.
“A Alice e eu adoramos estar ao ar livre”, diz Duarte. “Mas não se trata de levar a cadela ao limite. A segurança e o bem-estar dela são a prioridade. Nós os dois precisamos de estar em boas condições para otimizar a deteção e a recolha de dados. Às vezes estamos no campo um dia inteiro, às vezes meio dia.”
Construindo uma imagem melhor
Após a sua adoção, Duarte Cadete demorou seis meses a treinar a Alice. Quando os dois localizam dejetos de lobo, seguem uma rotina pré-definida, ajudando a reforçar o treino e o método.
“A primeira coisa que faço é recompensá-la”, diz Duarte. “Depois brincamos e divertimo-nos durante um bocado. Então verifico novamente a amostra e registo os dados e, às vezes, instalo câmaras de foto-armadilhagem. Os dados que recolhemos também ajudam outros investigadores a escolher áreas para instalar câmaras.”
Alguns dias, Duarte e Alice detectam 10 a 20 amostras, noutros apenas uma ou duas. No entanto, apesar da frequência de deteção, o biólogo insiste que ainda é muito cedo para tirar conclusões sobre a subpopulação de lobo ibérico a sul do rio Douro.
“Nós não vemos lobos durante o nosso trabalho de monitorização enquanto equipa cinotécnica, e não é suposto vê-los, mas os animais estão claramente lá”, diz Duarte. “Precisamos de mais tempo de investigação para construir uma imagem precisa da dinâmica populacional”.
Promover a coexistência
Duarte Cadete trabalha com a subpopulação de lobos a sul do rio Douro desde 2002. Tendo estudado o lobo ibérico durante tanto tempo, o biólogo sente uma estreita ligação com estes animais esquivos e resilientes.
“Eu admiro imenso os lobos e acho-os extremamente interessantes do ponto de vista científico”, diz o biólogo. “Quanto mais se sabe sobre estes animais, mais se respeita e se percebe o muito que ainda há a aprender sobre eles.”
Ainda que seja cedo para dizer se os dados recolhidos por Duarte e Alice são indícios de uma recuperação do lobo ibérico, o biólogo continua otimista em relação ao futuro.
“As pessoas aqui precisam de acostumar-se outra vez à presença do lobo ibérico”, diz ele. “Uma boa comunicação é vital para garantir que seres humanos e lobos possam coexistir lado a lado harmoniosamente.
“A Alice e eu somos apenas uma parte do quebra-cabeças que é a conservação do lobo ibérico”, continua Duarte. “Continuaremos a sair para o campo e a fazer o nosso trabalho, porque um Portugal com uma população de lobos saudável é melhor para a natureza e é melhor para as pessoas. Com uma abordagem de conservação holística, a reeducação pode ajudar o lobo a retomar o seu lugar na natureza portuguesa.”
Uma espécie ameaçada
Os lobos que vivem em Portugal e Espanha são uma subespécie de lobo com o nome científico Canis lupus signatus (o lobo ibérico). Eles já foram numerosos em Portugal, mas a perda de habitat, o conflito com os seres humanos e o desaparecimento de presas selvagens levaram a que, no início dos anos 1900, a população estivesse em declínio. Protegida pela lei portuguesa desde 1988, esta espécie icónica permanece numa posição precária até hoje.
Estudos estimam que a população de lobo ibérico em Portugal contém entre 250 e 300 animais, ocorrendo apenas no norte e centro do país – correspondendo a menos de um terço da distribuição histórica deste animal.
De acordo com o último censo nacional, realizado em 2002-2003, existem nove alcateias a sul do rio Douro, representando aproximadamente 14% da população de lobo ibérico em Portugal. Condições desfavoráveis ameaçam a estabilidade destas alcateias, afetando o seu sucesso reprodutivo e sobrevivência, assim como a conectividade entre alcateias.
Uma investigação realizada em 2012 revelou sinais de uma possível recolonização natural de lobos ibéricos ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha, com o consequente aumento da conectividade entre os aglomerados populacionais da região.
Quer saber mais?
- Mais sobre o projeto LIFE WolFlux
- Mais sobre o trabalho da Rewilding Europe no Oeste Ibérico
- Visite o site da Dear Wolf (uma empresa de turismo da natureza, consultoria e formação baseada na natureza co-fundada por Duarte Cadete em 2014)