Também na abordagem de rewilding, em que grande parte do processo acontece em autogestão pela própria paisagem após intervenções iniciais, é importante monitorizar para medir os impactos do trabalho realizado, a médio e longo prazo. Num processo que requer espaço e tempo para se efetivar, é fundamental apresentar resultados e mudanças, que terão um papel determinante nos ecossistemas do futuro.
Para a Rewilding Portugal, 2020 e 2021 são anos que ficam também marcados por um intenso trabalho de monitorização de fauna e flora, com o objetivo de medir o estado de base das áreas rewilding antes de serem realizadas ações de conservação, com o objetivo de avaliar posteriormente os impactos do trabalho de rewilding desenvolvido no Grande Vale do Côa. Este trabalho já começou a ser desenvolvido nas duas primeiras áreas geridas pela Rewilding Portugal: Vale Carapito e Ermo das Águias.
Monitorizar é fundamental para conhecer que espécies e que processos ecossistémicos existem e o estado em que estes se encontram numa determinada área, assim como para determinar os resultados diretos do trabalho desenvolvido. A Rewilding Portugal tem um plano de monitorização que pretende determinar o impacto das ações rewilding, nomeadamente do restauro de processos de herbivoria (introdução de cavalos selvagens), da regeneração natural da vegetação, da necrofagia (aumento de carcaças de gado no campo, auxiliando explorações pecuárias a obter licença para o efeito), de predação (promoção de coexistência positiva dos grandes predadores com as comunidades locais) e da redução da perturbação humana (atividades extrativas) na diversidade e abundância de espécies e grupos-chave (e.g. insetos, coelho, lobo, abutres), na redução do risco de incendio, na heterogeneidade de e no turismo e economia local, entre outros.
Um dos principais processos a ser monitorizado, é o impacto da introdução de herbívoros em regime semisselvagem (até ao momento cavalos da raça Sorraia), na estrutura da vegetação e a biomassa – ambos fatores muito importantes para determinar se uma paisagem é mais ou menos vulnerável a incêndios – a composição de espécies de plantas, o recrutamento de carvalhos e a condição do solo. Este trabalho está a ser realizado em colaboração com a Terraprima/MARETEC-ISTA. Também se quer conhecer melhor o impacto da reintrodução de herbívoros na diversidade e abundância de outro grupo-chave, os insetos polinizadores, trabalho que está a ser desenvolvido em colaboração com a TAGIS – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.
As monitorizações de base, que representam o estado inicial da área, foram realizadas nos anos de 2020 e 2021 no Vale Carapito e no Ermo das Águias, sempre previamente à chegada dos cavalos. Os dados obtidos serão depois comparados com dados recolhidos nos próximos anos para avaliar o impacto da introdução destes herbívoros em regime semisselvagem a longo prazo. Com este objetivo foram criadas parcelas delimitadas e interditas ao pastoreio por parte dos cavalos, para que se possam verificar as diferenças entre áreas alvo de pastoreio e aquelas que não são pastoreadas, sendo dessa diferença que surge um retrato fiel e sólido do seu impacto. Antes da chegada dos cavalos, as parcelas cercadas e não cercadas não devem apresentar diferenças significativas entre si quanto aos vários indicadores de estrutura da vegetação, para que se consiga aferir com rigor o impacto diretamente causado por este pastoreio semisselvagem.
Embora ainda se esperem mais resultados definitivos e compilados, existem já diversas conclusões que se podem retirar e apresentar. Ambas as áreas possuem complexidade vertical de vegetação equivalente, dado que nos é dado pelo Índice de Diversidade de Folhagem (FDH), embora o Vale Carapito apresente valores de biomassa arbustiva mais baixos. No total, foram encontradas 133 e 150 espécies de plantas de sub-bosque nestas áreas, respetivamente, sendo que foi encontrada maior diversidade em florestas de carvalhos em regeneração, ao contrário das áreas de matagal dominadas por giestas ou afloramentos rochosos, áreas em que se registaram as menores densidades. Em ambas as áreas foi possível verificar, em muitos casos, a predominância de giestas e a menor presença ou mesmo ausência de arbustos que são característicos deste tipo de carvalhais, como o espinheiro ou o medronheiro, o que indica que em ambos os casos encontramos uma fase inicial de sucessão florestal. As giestas mantêm-se na paisagem, pois são mais resilientes ao fogo e tolerantes a solos mais pobres, que, como indicam estes resultados iniciais, é o caso dos solos nestas duas áreas.
Também o solo foi já alvo de diversas análises e comprovou-se essa pobreza que já era indicada pelas espécies de plantas existentes. Os valores de matéria orgânica do solo são baixos, possivelmente devido a práticas históricas do uso da terra para agricultura e também a recorrentes queimadas que eram antes praticadas nestas áreas. Quanto aos níveis de fósforo, fundamentais para o crescimento de plantas, estes têm valores muito baixos no Vale Carapito, sendo substancialmente mais elevados no Ermo das Águias.
Quanto aos insetos, foram identificados no total 3.656 insetos com uso a técnica de varrimentos de vegetação, sendo possível identificar até ao nível de espécie 180 destes. Estas observações também foram recolhidas em parcelas específicas, que serão utilizadas depois para testar os efeitos do pastoreio dos cavalos Sorraia. A diversidade de insetos nas duas propriedades apresenta bastantes diferenças, já que apenas 26% destes ocorrem em ambas as áreas, existindo valores de diversidade mais altos no Vale Carapito. Se no Vale Carapito as maiores densidades foram registadas em carvalhais e bosques abertos, no Ermo das Águias, estes dados foram encontrados em áreas abertas de prados e matos, assim como em montados abertos de sobreiros. O grupo dos himenópteros (e.g. abelhas) é predominante nas duas áreas, caracterizando-se o Vale Carapito por ser um local especialmente rico em lepidópteros (borboletas) e o Ermo das Águias em coleópteros (escaravelhos).
Este importante trabalho de monitorização vai ter continuidade e, nas próximas monitorizações, vai já ser possível ter alguns resultados sobre o pastoreio extensivo com herbívoros em regime semisselvagem.