A Rewilding Portugal, em conjunto com a Rewilding Europe e a Nature Tourism Development, desenvolveu mais um treino de guias de natureza depois do sucesso do treino realizado em 2021. Desta vez no âmbito do projeto LIFE WolFlux, o treino, focado em turismo de lobo, pretendia formar guias de natureza já existentes no território ou com a pretensão de desenvolverem essa atividade, relativamente a esta espécie emblemática e em perigo de extinção, para que se desempenhe um turismo responsável relativamente à mesma neste território.
Com as dificuldades que o lobo-ibérico tem enfrentado a sul do rio Douro, com alcateias isoladas e uma subpopulação fragmentada e com dificuldade de subsistência no território, é cada vez mais importante que os guias de natureza que trabalham em territórios onde esta espécie ainda existe ou onde existiu e poderá voltar a estabelecer-se tenham presente os cuidados a ter no desenvolvimento da sua atividade, para que esta não represente mais uma dificuldade ou obstáculo à presença desta espécie no território. Já em novembro de 2021 tinha sido realizado um treino inicial para capacitar guias de natureza da região.
De 4 a 7 de abril de 2022, este segundo treino de guias, mais especializado e dedicado ao turismo de lobo, teve lugar entre duas localizações: Pinhel e Sanabria. O objetivo foi demonstrar um caso de sucesso e responsabilidade de quem já trabalha ativamente e há muitos anos neste segmento do turismo de natureza, neste caso na Serra da Culebra, na Sanabria, região em que o turismo de lobo já está a ser altamente lucrativo e positivo para as comunidades locais, gerando 1.8 milhões de euros anualmente, em dados publicados pelo Governo Espanhol em 2017 (Llobu, 2021), e depois tentar aplicar esse conhecimento à realidade portuguesa, acreditando-se ser um turismo com futuro e que pode aliás ter benefícios para a conservação da espécie se forem tomadas as precauções e práticas corretas para tal.
O treino começou com uma sessão de boas-vindas no Centro Rewilding, em Vale de Madeira, no concelho de Pinhel, para receber os oito participantes neste treino (Bruno Passo, Daniela Pereira, Fernando Romão, Isabel Sousa, Lemuel Silva, Marco Ferraz, Samuel Ribeiro e Vera Cardoso), escolhidos dentre dezenas de candidatos, de forma a enquadrá-los relativamente ao treino e ao que iriam viver e experienciar nos dias seguintes, assim como à forma como seriam avaliados para confirmar a conclusão bem sucedida do mesmo. De seguida, o grupo partiu para a Sanabria, onde teve uma sessão de turismo de lobo, com Javier Talegón, especialista e mentor do projeto Llobu, que desenvolve toda a sua atividade dedicada a esta espécie na Serra da Culebra. Uma sessão muito importante, que deu muitos conselhos e práticas úteis aos participantes sobre como construir uma atividade de turismo à volta desta espécie, quais as práticas corretas a adotar e todos os cuidados a ter ao longo do processo.
Houve ainda oportunidade de realizar uma atividade prática no terreno no final da tarde, de observação de vestígios e trilhos de lobo e outra fauna selvagem, tendo sido ainda possível, numa sessão de observação com utilização de telescópio, a observação de exemplares de lobo-ibérico em pleno habitat natural, um momento que deixou em êxtase todos os participantes, que na sua esmagadora maioria o estavam a ver pela primeira vez. Um primeiro dia que foi logo muito completo e repleto de experiências e aprendizagens incríveis e muito úteis, e em que o grupo conseguiu observar várias espécies emblemáticas para além do lobo-ibérico, nomeadamente veados e javalis.
No dia seguinte, o grupo acordou bem cedo para ter a oportunidade de fazer observação de vida selvagem de madrugada, recebendo o nascer do sol durante esse momento de observação, novamente na companhia do experiente guia Javier Talegón. Houve ainda possibilidade de visitar uma ponte de passagem de vida selvagem instalada numa linha de comboio de alta velocidade e uma antiga armadilha para lobos utilizada antigamente pelos locais, o que demonstra bem uma realidade antagónica entre a perseguição e a coexistência deste fundamental predador de topo dos nossos ecossistemas.
De seguida, o grupo regressou a Pinhel e ao Centro Rewilding, onde passou os dois dias seguintes. Primeiro, fez-se uma abordagem dos primeiros dois dias de treino, para se retirarem importantes ilações e conhecimentos e seguiram-se depois novas sessões teóricas e práticas fundamentais para a sua preparação e formação. Houve uma formação em comportamento e biologia desta espécie, lecionada por Patrícia Gil, especialista do CIBIO, que permitiu aos guias conhecerem a espécie em pormenor, assim como todas as suas características, comportamentos, ameaças etc. Seguiu-se ainda uma visita à área rewilding do Ermo das Águias, em Vale de Madeira, para que os participantes tivessem um contacto mais direto com as ações de rewilding a serem levadas a cabo no terreno e com o potencial turístico que estas áreas de rewilding ao longo do Grande Vale do Côa podem ter para um turismo de natureza sustentável, ético e informado, mesmo em relação ao lobo-ibérico, mas também a todo o ecossistema envolvente e ao que dele faz parte. Por fim, houve ainda tempo para conhecer mais membros da equipa da Rewilding Portugal e conhecer melhor a proposta de rewilding e a visão que esta equipa tem para a conservação da natureza desta região num futuro próximo.
Por fim, realizou-se a avaliação final da atividade, com a apresentação individual de propostas de turismo de natureza para a área rewilding do Ermo das Águias, em que cada um propôs uma atividade de turismo de natureza a desenvolver na área, especificando os seus benefícios para esta abordagem de conservação, para a própria comunidade local e para os possíveis clientes que desta fossem usufruir, sempre pensando de uma forma ética e sustentável.
Um treino bem sucedido e concluído com sucesso pelos oito participantes, que se espera que tenham gostado de embarcar nesta aventura com a Rewilding Portugal e respetivos parceiros e que a mesma tenha sido enriquecedora e motivadora para a criação de novos projetos e ofertas a desenvolver nesta região em breve, transformando o Grande Vale do Côa num destino de excelência no turismo de natureza, trazendo mais pessoas a conhecer este que é o lado mais selvagem de Portugal.
O projeto LIFE WolFlux é financiado pelo programa LIFE da Comissão Europeia e cofinanciado pelo Endangered Landscapes Programme, enquanto que o projeto Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa é também ele financiado pelo Endangered Landscapes Programme, que é gerido pela Cambridge Conservation Initiative e financiado pela Arcadia, um fundo de caridade de Peter Baldwin e Lisbet Rausing. A Rewilding Portugal conta em ambos os projetos com os seus parceiros: Rewilding Europe, ATNatureza, Universidade de Aveiro e Zoo Logical.