Head of Landscapes da Rewilding Europe, Deli Saavedra tem a importante missão de acompanhar a evolução dos esforços de rewilding de várias áreas em operação neste momento a nível europeu. Em entrevista fala-nos dos maiores desafios da sua posição, do futuro deste projeto coletivo e unificado e dos planos que tem para o que ainda está para vir.
O que achas que diferencia o rewilding de outras abordagens de conservação da natureza?
O rewilding é uma abordagem mais descontraída à conservação da natureza, onde não prescrevemos como é que a natureza se deve comportar, mas onde lhe damos resiliência, através do espaço geográfico (quanto maior, melhor) e lhe devolvemos os elementos perdidos nos ecossistemas. Ao mesmo tempo, o rewilding não se contenta com o que já está protegido, mas visa ir além, restaurando a natureza em larga escala.
Como Head of Landscapes, quais foram os teus maiores desafios e sucessos?
Acho que o maior desafio tem sido “manter os pratos a girar”, ou seja, garantir financiamento suficiente para permitir que as diferentes paisagens de rewilding por toda a Europa funcionem a todo o vapor e aumentem as suas operações. É difícil encontrar fontes de financiamento de longo prazo para rewilding, portanto, muitas vezes, quando o garantimos para uma das áreas (um dos pratos), a fonte de financiamento de outra pode já estar a terminar. Ao mesmo tempo, é encorajador ter aumentado o número de áreas rewilding da rede da Rewilding Europe de cinco em 2012 para dez em 2022.
O novo European Wildlife Comeback Fund espera facilitar reintroduções e translocações de fauna – fala-nos um pouco sobre esta nova iniciativa.
Há imensa pesquisa científica a demonstrar que precisamos de aumentar as populações de vida selvagem, especialmente daquelas espécies (as chamadas espécies-chave) que têm um efeito fundamental nos ecossistemas, removendo biomassa (grandes herbívoros), moldando cadeias tróficas (grandes carnívoros) ou removendo animais mortos (necrófagas). As reintroduções requerem estudos de viabilidade, licenças administrativas e dinheiro, e muitas vezes os profissionais encontram-se numa situação de “catch 22”: é difícil obter licenças se o dinheiro não for garantido, mas também é difícil garantir aos doadores que as licenças serão obtidas assim que o dinheiro for concedido. O European Wildlife Comeback Fund (EWCF) é um fundo específico criado para apoiar financeiramente os projetos de reintrodução que estão prontos. Isso significa que têm já de ter estudos de viabilidade, acordos estabelecidos com as principais partes interessadas e licenças emitidas pelas autoridades. Esperamos aumentar significativamente as reintroduções de vida selvagem em toda a Europa, de forma responsável e seguindo as diretrizes da IUCN.
Uma nova área rewilding foi lançada recentemente nas Iberian Highlands. Conta-nos um pouco sobre esta nova área rewilding e quais são os planos para os próximos anos.
“Iberian Highlands” é o nome que demos a uma imensa região do leste de Espanha, que compreende quase um milhão de hectares das regiões de Castela-a-Mancha e Aragão. O abandono de terras é o principal desafio (a densidade populacional é de 2 habitantes/km2), mas acreditamos ser também a principal oportunidade para criar um dos maiores espaços naturais da Europa, onde a paisagem e a fauna abundante se podem somar ao rico património cultural para construir um destino interessante para o ecoturismo. O plano para os próximos três anos prevê a reintrodução de grandes herbívoros (cavalos e tauros), do abutre-negro e do lince-ibérico. Florestas antigas serão protegidas através de sistemas de compensação e novos sistemas de maneio florestal serão acordados para valorizar melhor o uso da madeira e impedir o corte de árvores inteiras para biomassa. Será criada uma rede de operadores e produtores (semelhante à Rede Côa Selvagem da Rewilding Portugal) para apoiar algumas atividades económicas das comunidades locais.
Moras numa área onde os incêndios costumavam ser um problema maior, mas que agora tem boas medidas para evitá-los. Algumas dessas medidas da Catalunha poderiam ser aplicadas em Portugal?
Bem, os incêndios florestais catastróficos são um grande problema em todas as regiões com clima mediterrânico, e a Catalunha não é exceção. Não conheço bem a política e a estratégia por detrás da prevenção de incêndios e posso dizer que, infelizmente, o rewilding não está incluído, mas posso pelo menos apontar bons métodos de prevenção: o uso de fogo prescrito para diminuir o combustível em algumas áreas, especialmente interligando grandes manchas de floresta e ainda restrições de acesso. No verão passado, com risco extremo de incêndio, a maioria dos parques naturais foram fechados ao público, inclusivamente o acesso pedonal. Foi uma medida difícil, tanto politicamente como de ser aplicada, mas a realidade é que a Catalunha foi uma das regiões da Península Ibérica com menos hectares ardidos.
Como vês a evolução da área rewilding do Grande Vale do Côa, e quais são as principais oportunidades e desafios para esta área no futuro?
O Grande Vale do Côa é um dos grandes sucessos da Rewilding Europe e da Rewilding Portugal. Uma área bastante desconhecida em 2011 é hoje um dos principais exemplos de como o rewilding pode potenciar a conservação da natureza e as atividades económicas sustentáveis de uma forma completamente nova, de baixo para cima, trabalhando lado a lado com as comunidades locais. Governos e instituições públicas (como o ICNF) devem aprender muito com o trabalho de coexistência com o lobo realizado pela Rewilding Portugal. Ao mesmo tempo, mostrámos com dados científicos que precisamos de grandes herbívoros na paisagem, para torná-la menos propensa a incêndios. Paisagens resilientes e comunidades resilientes, este é o futuro, e o Grande Vale do Côa é uma das mais brilhantes montras europeias disso mesmo.
Do teu ponto de vista pessoal e refletindo sobre 2022, o que gostarias que acontecesse em 2023?
Adoraria ver uma ação real para o clima e para a biodiversidade. Todos dizem que estamos em modo de emergência, mas continuamos a viver a nossa vida como se nada de grave estivesse a acontecer. A nossa sociedade tem de mudar profundamente, e o rewilding é um dos caminhos a seguir. A nossa missão é construir esse caminho caminhando, talvez até correndo, e precisaremos de ser ousados, enérgicos e persistentes em 2023 para que isso aconteça. Ânimo!