Bárbara Carvalho é um dos rostos do projeto Wild Côa Symphony, um projeto artístico colaborativo que venceu um concurso do Endangered Landscape Programme para realizar uma residência artística no Grande Vale do Côa. Esta entrevista foi realizada no começo deste ano e agora o projeto encontra-se numa fase mais final e os primeiros resultados já foram apresentados ao público.
O que é a Wild Côa Symphony, e de onde veio a ideia para esta residência artística no Grande Vale do Côa?
A Wild Côa Symphony é um projeto artístico colaborativo, onde três pessoas com histórias de vida muito diferentes se encontram e partem numa viagem pelos meandros do rio Côa. Eu, enquanto guia, arqueóloga e pessoa que é também um elemento desta paisagem, o eco-artista Antony Lyons e o músico-compositor Jesse D. Vernon. É uma viagem à deriva, desde a nascente até à foz, na exploração e registo de sons, reflexos, vozes, música, que visa a criação de um filme-retrato poético do Grande Vale do Côa. Conheço o Antony desde as suas primeiras incursões pelo Côa, a cada encontro, o rio e as pessoas que o habitam, foram sempre o nosso lugar-comum e tínhamos um profundo desejo de encontrar uma forma de partilhar este lugar com o resto do mundo. A residência artística, promovida da ELP (Endangered Landscapes Programme), com o apoio da Rewilding Portugal, acabou por ser a alavanca para a concretização deste desejo. A nossa viagem, retratada em filme, contempla as várias geografias multissensoriais de uma paisagem, onde todas as coisas e aqueles que nela habitam e participam são o passado, o presente e o futuro deste território.
Quais as principais atividades que organizaram durante a residência, e como foi a experiência?
A residência decorreu ao longo de um ano, repartida em 4 expedições, entre o outono de 2021 e 2022. A ideia inicial era sobretudo recolher sons e imagens da paisagem tendo como reflexões de fundo, o vivido e o selvagem, a liberdade, o cuidar, a sustentabilidade e a coexistência de elementos. Entretanto, a viagem foi convergindo sempre mais ao encontro das comunidades, queríamos explorar o sentimento de pertença e fazer algo que aportasse uma certa revitalização cultural aos lugares que cartografam esta sinfonia. Na última Primavera, organizámos atividades nas localidades de Vilar Maior, Cidadelhe e Pinhel. Com a comunidade de Vilar Maior e a Rewilding Portugal, foi organizado um passeio sonoro pelas veredas do Vale Carapito, intitulado “Tempo Profundo”. O desafio era olhar, partilhar e fazer ecoar sons e memórias do passado em torno da biodiversidade deste vale. Em Cidadelhe, promoveu-se um dia de concerto com os “fadistas” desta localidade. Trocaram-se poemas afinados à guitarra, ouvimos os hinos locais e cantigas populares enaltecidas pelas mulheres que outrora, cantavam juntas, enquanto trabalhavam as terras. Com os alunos da Escola Básica 2 de Pinhel, realizámos dois workshops de experimentação sonora e musical, tendo como base, sons de animais e do vento. Foi uma experiência incrível, bonita mas acima de tudo, cheia de generosidade. Os momentos partilhados enriqueceram-nos a todos e a própria obra da Wild Côa Symphony.
Quando poderemos ver os resultados da residência em Portugal, e onde?
Em Novembro de 2022, em Castelo Rodrigo, no Cantinho Café, apresentámos a uma pequena audiência, os primeiros excertos do filme. Nos meses seguintes, Antony Lyons e Jesse D. Vernon, estiveram a trabalhar na composição sonora e montagem final do filme. Lançámos entretanto a peça acabada no âmbito do festival do CÔA – Corredor das Artes, por várias localidades do Vale do Côa.
Trabalhas em arqueologia nesta região, falamos um pouco sobre o teu trabalho nesta área e sobre que lições podemos aprender com o passado?
Vim para este território enquanto estudante de arqueologia há mais de 20 anos. O Alto Douro e o Côa eram regiões incontornáveis para quem queria investigar os lugares mais antigos da história da Humanidade. Grandes áreas naturais protegidas, o maior sítio com arte paleolítica ao ar livre e os mais emblemáticos recintos murados da pré-história. Era onde tinha de estar e acabei por ficar. Trabalho desde então como investigadora e freelancer com vários projetos de investigação ligados à arqueologia, no estudo e escavação de sítios arqueológicos, na sua divulgação e mediação pública, mas também ligados ao património cultural, no sentido mais generalizado, como é o caso do Arquivo de Memória, projeto desenvolvido pela Associação de Amigos do Parque e Museu do Côa, que tem em acesso aberto um enorme repositório de testemunhos orais, que contam a história mais recente da região. O Grande Vale do Côa detém, em todas as suas camadas tangíveis e inatingíveis, da mais antiga à mais recente, um valor patrimonial imensurável e que vai além de todas as fronteiras físicas desta biorregião. É também um valor que exige um grande compromisso. Conhecer o passado, ensinou me acima de tudo a persistir, penso que nos instiga e ensina a olhar a nossa existência nas suas várias facetas e dimensões, o ver o que está em redor, em contexto, no sentido de um percurso feito e de outros, que ainda podemos vir a fazer. Por isto mesmo, a investigação, seja em que área for, é para mim um dos grandes pilares de sustentabilidade deste território.
O que gostarias de ver acontecer no Grande Vale do Côa no futuro?
É difícil de responder…tantas coisas! Coisas que perdurem e que se transformem, coisas que nos situem e nos façam ficar mas sobretudo, gostaria de ver pessoas com vontade de fazer acontecer. Pensando num futuro próximo e em algo que junta muitas destas coisas, e que irá de certeza acontecer, o festival Côa – Corredor das Artes!