Em Maio, teve lugar uma photo mission na área do Oeste Ibérico, e o fotógrafo Juan Carlos Munõz veio à área para capturar as paisagens e biodiversidade locais. Um jovem fotógrafo da natureza, Daniel Santos, teve a oportunidade de acompanhar Juan Carlos durante dois dias. Aqui fica um relato da sua experiência.
Estava a navegar nas redes sociais quando uma publicação despertou a minha atenção. A Rewilding Portugal está a oferecer uma experiência para acompanhar durante dois dias o fotógrafo de natureza Juan Carlos Muñoz numa photo mission? – pensei eu! Já sigo o trabalho do Juan Carlos há algum tempo e ele tem sido uma referência para mim, por isso, esta seria uma oportunidade única, não só para o conhecer, mas também para conhecer o projeto “LIFE WolFlux” que a Rewilding Portugal está a desenvolver. Fiquei a saber desta oportunidade muito perto da data limite e apenas consegui enviar a minha inscrição mesmo no último dia. No dia seguinte de manhã, segunda-feira, recebi uma chamada, a dizer que tinha sido escolhido e que estava na hora de partir para a Guarda nesse mesmo dia.
Na terça-feira logo de manhã cedo encontrei-me com o Juan Carlos, com a Mar (membro da sua equipa e jornalista da natureza) e com o Pedro Prata, que é o Líder de Equipa da Rewilding Portugal. Partimos de imediato para o primeiro local da photo mission, a Ribeira das Cabras. Dizia-me o Pedro que neste local já foi registada a presença de lobos, o que não espanta tendo em conta a qualidade do habitat. Esta área é lindíssima, junto ao rio domina a vegetação típica de zonas ribeirinhas que vai sendo substituída por azinheiras. Parámos numa área coberta com diferentes espécies de flores, mas as que chamavam mais a atenção eram as papoilas (Papaver dubium). Enquanto o Juan Carlos fazia algumas imagens com o drone, eu aproveitei para fotografá-las. Apesar das papoilas serem lindíssimas, fotografar flores é sempre um desafio para mim. Optei por experimentar duas técnicas diferentes, primeiro incluí toda a flor no enquadramento e finalmente fiz um close up, que acabou por resultar melhor do que esperava.
Depois eu e o Juan aproximámos-nos do rio com esperanças de encontrar alguns animais para fotografar. O coaxar das rãs-verdes entoava intensamente por entre a vegetação e, apesar de serem fáceis de encontrar, a luz não era a ideal para as fotografar. Enquanto eu e o Juan debatíamos técnicas de composição e outros assuntos ligados à fotografia de natureza, vimos algo um pouco diferente em cima de uma rocha. Era um cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa), nunca tinha visto esta espécie e fiquei bastante entusiasmado. A luz continuava longe de ser a ideal, mas o rio estava coberto de plantas aquáticas em flor, formando um manto branco sobre a água, o que compensava esse pormenor menos positivo.
Pouco depois um vulto negro passou por cima de nós e mais uma vez fiquei sem palavras, pois era uma Cegonha-preta (Ciconia nigra), um animal raro que nidifica nesta região do país.
Após um delicioso almoço continuámos a nossa jornada pela Faia Brava, onde apenas tinha estado uma vez por breves momentos e nunca tinha tido a oportunidade de explorar. Começámos pela parte sul da reserva à procura das vacas maronesas, que se encontram em regime semi-selvagem. Estes animais apresentam um papel ecológico muito importante, outrora feito pelos grandes herbívoros que existiam na região, que é o controlo do crescimento da vegetação. Após alguns minutos a deambular nos trilhos de terra batida, finalmente encontrámos a manada a alimentar-se numa zona de pasto.
Mais à frente deparámo-nos com um charco, com dezenas de rãs-verdes e eu e o Juan decidimos tentar a nossa sorte novamente. Estivemos cerca de uma hora a fotografá-las e, desta vez, as imagens revelaram-se muito superiores, uma das quais considero a melhor que alguma vez consegui desta espécie.
Uma das surpresas desse dia foi a arte rupestre que se encontra na Faia Brava, algo que nunca tinha tido a oportunidade de ver. É fascinante pensar que há milhares de anos atrás seres humanos estiveram naquele exato local a fazer arte. Segundo o Pedro, a arte rupestre da Faia Brava difere da maioria da restante do Vale do Côa, por ser pintada e não gravada na rocha e por apresentar elementos mais antropomórficos.
Enquanto admirávamos as pinturas, várias rapinas planavam sobre nós, eram sobretudo grifos e britangos, mas sabíamos que existia a hipótese de observar águia-real, pois um casal nidifica nas escarpas desta área do Vale do Côa. Quando finalmente demos mais atenção ao que se passava no céu, reparámos numa silhueta diferente das demais e concluímos que se tratava mesmo do que já vínhamos a procurar desde o início da manhã, uma águia-real, mais uma espécie que nunca tinha visto. Por esta altura o sol já se aproximava do horizonte, mas não demos o dia por terminado, pois ainda nos faltava fotografar os cavalos garranos, que tal como as vacas maronesas se encontram em regime semi-selvagem e cumprem a mesma função ecológica. Foi já na parte mais a norte da reserva e quando faltava sensivelmente quarenta minutos para a luz desaparecer que encontrámos cavalos. A cor dourada do pôr-do-sol proporcionou um excelente ambiente para fotografar estes animais e mais tarde para fotografar a paisagem.
Para o segundo dia estava previsto fotografar alguns locais do Parque Natural do Douro Internacional. Ficámos alojados numa quinta mesmo no coração do parque, mas só pela manhã consegui perceber a beleza do local, um ribeiro serpenteava por entre as imponentes escarpas que servem de local de nidificação de rapinas, como a águia-real e o falcão-peregrino. Quando estávamos preparados para fotografar, o sol já estava alto, mas depois de alguma procura lá consegui encontrar uma composição que valesse a pena. Neste local consegui observar mais uma espécie pela primeira vez, um abutre-negro.
Da parte da tarde fomos à procura de um cenário que retratasse a pastorícia tradicional, ou seja, pretendíamos fotografar um cão pastor a proteger as suas ovelhas.
Seguimos para um miradouro junto ao rio Águeda. A paisagem era incrível, nas vertentes íngremes do vale nidificam várias espécies de rapinas, incluindo o grifo e a águia-de-Bonelli. O Nordeste de Portugal é um local extremamente biodiverso, onde podemos observar com alguma facilidade espécies que não existem ou que são muito menos comuns noutros pontos do país. Mais uma vez tivemos sorte e vimos, para além de vários grifos, uma águia-de-bonelli, uma águia-calçada e uma águia-cobreira.
O Juan queria fotografar as cores da primavera com o drone e, por isso, dirigimo-nos para uma área repleta de giestas que cobriam a paisagem de amarelo. Este foi o local ideal para fotografar algumas flores e também insetos polinizadores.
Com o dia a chegar ao fim tínhamos ainda mais um objetivo, fotografar gado em regime extensivo. Fomos para uma quinta enorme onde a presença do lobo é uma possibilidade. Apesar de termos visto muito gado, isso não parece afetar a qualidade do habitat, aqui a paisagem é dominada por zonas abertas ponteada por árvores, maioritariamente carvalho-negral, e zonas de mato.
Depois de fotografarmos as vacas, a luz foi ficando cada vez melhor e foi tempo de tentarmos a nossa sorte com outros sujeitos. A beleza ímpar deste local fez-me procurar algo na paisagem que fosse diferente e que sobressaísse. Finalmente encontrei uma árvore com o sol a brilhar por entre os ramos que chamou a minha atenção.
Com o sol quase já a desaparecer decidi focar-me nas aves. Primeiro vi um trigueirão (Emberiza calandra) a vocalizar numa árvore morta e de imediato percebi que poderia resultar numa excelente imagem com as cores do pôr-do-sol no fundo. Depois o Juan descobriu um cuco-canoro (Cuculus canorus) que estava a caçar não muito longe de onde nos encontrávamos. A caçada estava a correr bastante bem ao cuco, até que um picanço barreteiro se aproximou sorrateiramente e lhe roubou uma lagarta que tinha caçado há segundos atrás.
Assim terminou esta aventura inesquecível. Só me resta agradecer à Rewilding Portugal, pela oportunidade de conhecer o Juan Carlos Muñoz. Para além da excelente pessoa, é também um grande profissional e aprendi muito com ele durante estes dois dias. A área de ação deste projeto é espetacular e está repleta de biodiversidade e penso que com este projeto tornar-se-á ainda mais especial. No final fiquei com uma grande vontade de lá voltar no futuro, para explorar esta área mais a fundo e para fotografar algumas das espécies e paisagens que não foi possível desta vez.
Juan Carlos Munõz – https://www.wild-wonders.com/
Daniel Santos – https://www.danielsantosphoto.com/