Na encosta de Figueira de Castelo Rodrigo, no coração do Grande Vale do Côa, a Quinta Vale do Tourão é muito mais do que uma exploração agrícola, é isso que a torna tão especial e comprometida com a Rede Côa Selvagem, da qual é membro. É o reflexo de um regresso consciente à terra, onde natureza e gente reencontram o seu lugar. Depois de uma década em França, Telma Lourenço e Xavier Mendo decidiram voltar às origens e transformar a quinta da família num espaço vivo de reconexão — com a paisagem, com a herança rural e com os ciclos naturais.

O chamamento de um vale que se regenera
Telma, terceira geração de uma família de pastores, sentiu que não podia — nem queria — abandonar esse legado. Mas quis reinventá-lo. E foi assim que, a partir do leite das suas próprias ovelhas, criou uma linha pioneira de sabonetes artesanais, sendo a primeira a fazê-lo em Portugal quando arrancou com o projeto.
Com 38 hectares em modo de produção biológico, a Quinta Vale do Tourão é hoje um exemplo de como a produção agroalimentar pode integrar os princípios do rewilding. Em vez de dominar o território, aqui procura-se escutá-lo e adaptá-lo. Amendoais, olivais, aveleiras, vinha e uma pequena plantação de flores secas são cultivados com critério ecológico, respeitando os ritmos do solo e da água. O sistema de rega é alimentado por energia solar e ativado apenas nos meses mais quentes, garantindo que as plantas crescem com o mínimo de interferência.
A lã das ovelhas, por sua vez, é utilizada para substituir geotêxteis industriais, servindo para reter humidade no solo e melhorar a fertilidade de forma natural e circular, aproveitando um subproduto que tinha vindo a perder valor e que ganha aqui uma nova funcionalidade. “Utilizamos a lã das nossas ovelhas na construção de drenos na quinta, em vez de comprarmos geotêxtil — uma solução mais eficaz, duradoura e sustentável.”, explica-nos Telma.

Na Quinta Vale do Tourão, as espécies autóctones são parte integrante da vida e do negócio deste jovem casal. A raça ovina churra mondegueira e a asinina mirandesa, ambas autóctones e ameaçadas, são preservadas com cuidado e proximidade. Muitas histórias partilhadas entre humanos e animais, que também se estendem à vida selvagem. Esta está presente e a sua convivência com os animais domésticos é encarada com naturalidade. Com boas vedações e cães de proteção de gado, evita-se o conflito e promove-se a coexistência. O equilíbrio é possível — e é isso que aqui se pratica todos os dias.
“Em relação à coexistência com os animais selvagens, faz-se naturalmente. Todos são essenciais e importantes no ecossistema.”, o casal encara este desafio com naturalidade, optimismo e percebe que o ecossistema é feito de partes funcionais que têm de estar a trabalhar em conjunto para estar equilibradas.
Trabalhar com o território, não apesar dele
Fazer parte da Rede Côa Selvagem é, para Telma e Xavier, uma extensão natural daquilo que já viviam no seu dia a dia. Trabalhar em rede com outros produtores, artesãos, guias e projetos locais reforça a ideia de que a regeneração do território, ambiental e socioeconómica, só pode ser feita em conjunto.
A partilha de experiências, o apoio mútuo e a criação de valor coletivo fazem desta rede um verdadeiro ecossistema social, tão importante como o ecológico. “Cada um de nós acrescenta algo único ao território”, diz Telma. “É na junção dessas sinergias que está a verdadeira riqueza da região.”

A Quinta Vale do Tourão não vive por isso fechada sobre si própria. Pelo contrário: abre-se a quem queira conhecer este modo de vida de forma autêntica e participada. Workshops de queijo artesanal, visitas às burras mirandesas ou o apadrinhamento de oliveiras e amendoeiras são apenas algumas das experiências que aqui se oferecem.
A ideia é simples: partilhar o que se faz, sem espetáculo nem artifício, e criar laços duradouros entre quem cuida da terra e quem a visita. A ligação à Rewilding Portugal tem reforçado esta vontade de acolher. Permite dar visibilidade ao trabalho da quinta e atrair um público que valoriza o que aqui se constrói: um modelo de vida onde a produção, a conservação e a beleza natural destes espaços caminham juntas.
Um futuro construído com paciência
O caminho da Quinta Vale do Tourão faz-se passo a passo, sempre com os pés bem assentes na terra. O futuro não é uma pressa, mas uma promessa — de que é possível produzir com respeito, viver com equilíbrio e restaurar o território com as próprias mãos, um coração cheio de vontade e uma mente cheia de visão e planeamento.
Telma e Xavier sabem que cada decisão conta e acreditam que, se dermos tempo à natureza, ela saberá sempre voltar e devolver. A terra apenas precisa que a escutemos. E é exatamente isso que aqui se faz.