Complementado com outras medidas de coexistência, o programa pretende reduzir a predação de gado pelos lobos ibéricos, permitindo a recuperação deste carnívoro em perigo em Portugal.
O poder de um cachorro
Cercado por um punhado de ovelhas muito curiosas, o Leão parece pouco à vontade. No entanto, grandes feitos são esperados deste tímido filhote de Serra da Estrela, com três meses de idade. Uma vez crescido (e com coração de leão fazendo jus ao seu nome), quando atingir 18 meses, deve ser um companheiro inestimável para o seu novo dono, ajudando o pastor a proteger o seu rebanho da predação de lobo na região da Serra de Montemuro, no nordeste de Portugal.
Como pioneiro neste novo programa de cães de gado, o Leão é o primeiro filhote de Serra da Estrela a ser incorporado pela equipa da Rewilding Portugal. O programa foi desenvolvido como parte do projeto LIFE WolFlux, que visa aumentar, a sul do rio Douro, a conectividade da subpopulação de lobo ibérico português, espécie em perigo de extinção.
“O objetivo é incorporar 100 cães com o gado existente na área do projeto”, explica Sara Aliácar, técnica de conservação da Rewilding Portugal. “Ao reduzir a predação dos lobos e, assim, promover a coexistência entre as pessoas e o lobo, o Leão e os cães que o seguirem contribuirão para a recuperação do lobo, aumentando a estabilidade, a interação e a expansão territorial das alcateiasjá estabelecidas”.
Uma tradição revigorada
Sendo uma das raças caninas mais antigas da Península Ibérica, os cães Serra da Estrela sempre protegeram o gado (ovelhas,vacas e cabras) a sul do Douro contra ataques de lobos ibéricos e cães vadios, fazendo-o há séculos, sendo parte da tradição local. Assim como está a acontecer com o Leão agora, estes cães precisam de ser integrados em rebanhos e manadas enquanto ainda são filhotes, a fim de criar um vínculo mais forte com os animais que devem proteger.
“Um pastor com cães Serra da Estrela pode proteger-se da predação de lobos com muito mais eficiência do que um que não os utilize”, explica Sara Aliácar. “Os cães detectam invariavelmente a presença dos lobos primeiro. Num habitat rochoso e arbustivo como aquele que caracteriza a área deste projeto, a estratégia que eles utilizam consiste em deitarem-se, esconderem-se e ficarem de vigia”.
Enquanto alguns pastores a sul do rio Douro ainda usam cães, esta tradição desapareceu em muitas áreas – especialmente naquelas onde os lobos raramente são vistos. Mas com a equipa do projeto LIFE WolFlux a trabalhar para apoiar o regresso do lobo ibérico ao seu papel de predador de topo na cadeia trófica, a incorporação de cães de gado em áreas onde os lobos podem vir a reaparecer é vista como uma medida proativa.
Apoio abrangente e completo
O novo programa de proteção de animais será implementado de acordo com a procura – os pastores primeiro precisam de solicitar os cães para iniciar o processo de incorporação. A equipa da Rewilding Portugal visita então o pastor para avaliar se o cão é realmente necessário. Se a avaliação for positiva, um cachorro de Serra da Estrela é fornecido gratuitamente, assim como os serviços de seguro, alimentação e veterinário até o animal completar os 18 meses de idade, quando se considera que estará apto a realizar todas as suas funções.
“Esta é a idade em que um Serra da Estrela se torna um cão de guarda eficaz”, explica Sara Aliácar. “Estamos efetivamente a apoiar os pastores com tudo o que é necessário até esse momento”.
Os cães são fornecidos pelo Grupo Lobo, uma ONGA portuguesa que trabalha para conservar os lobos ibéricos e o seu habitat. Esta ONGA também está a fornecer apoio no treino destes cães, facilitando a troca de conhecimentos fundamentais e melhores práticas neste processo. Se o cão incorporado vier a ter filhotes, o pastor envolvido é incentivado a entregar dois deles ao programa, para que este possa continuar a ajudar mais pastores.
Medidas complementares
A subpopulação de lobo ibérico a sul do rio Douro está numa posição precária. Além de fatores como a perda de habitat, a baixa conectividade entre grupos e o conflito com seres humanos, a falta de presas silvestres continua a prejudicar a capacidade de recuperação desta espécie. Atualmente, os lobos a sul do rio Douro dependem fortemente de gado doméstico para alimentação, representando este mais de 90% da dieta de algumas alcateias.
Reduzir a predação do lobo no gado, incorporando cães de guarda como o Leão, só será totalmente eficaz se os lobos tiverem uma fonte alternativa de alimento. Através do projeto LIFE WolFlux, que é financiado pela Comissão Europeia e cofinanciado pelo Endangered Landscapes Programme, a equipa da Rewilding Portgal está a trabalhar conjuntamente com os outros parceiros do projeto (Universidade de Aveiro, ATNatureza, Zoo Logical e Rewilding Europe) para conseguir aumentar a disponibilidade de presas silvestres para os lobos, aumentando as populações locais de corço e, assim, reforçando as cadeias alimentares naturais.
“A longo prazo, queremos que os lobos tenham um papel muito mais funcional no ecossistema”, diz Sara Aliácar. “Isso terá influência no seu comportamento e na população das suas presas silvestres, em vez de dependerem tanto do gado como agora”.
Em 2019, foi realizado um trabalho preliminar de monitorização para perceber melhor a distribuição e a abundância das populações de corço na área do projeto – sendo que esse trabalho destacará as áreas onde estes animais precisam de ser mais apoiados. Pode consultar mais pormenores sobre esta ação clicando aqui. A equipa da Rewilding Portugal também planeia distribuir vedações aos pastores (em áreas prioritárias) para permitir que eles protejam ainda mais os seus rebanhos e manadas da predação de lobos ibéricos.
Por último, pode ainda ver aqui o vídeo do momento muito especial em que o Leão conheceu o rebanho que irá acompanhar e defender: