Os fungos são possivelmente os organismos com maior importância para os ecossistemas e para a nossa e vida sobre os quais sabemos menos. São os principais decompositores da maior parte dos ecossistemas terrestres, reciclando matéria orgânica sobre as mais variadas formas, desde madeira morta a cadáveres de animais, e permitindo que o ciclo de nutrientes continue a funcionar. Criam solos e formam simbioses com outros organismos, principalmente plantas, e que de forma quase invisível permitem a existência de florestas saudáveis. Entre várias outros papéis, os fungos têm sido também uma importante fonte de medicina e alimento para o ser humano.
À semelhança de outras regiões da Europa, o Vale do Côa tem uma forte cultura de recolha e uso de cogumelos, no entanto estes conhecimentos centram-se nas espécies com maior valor gastronómico como os boletos (Boletus spp.), tortulhos (Macrolepiota procera) e míscaros (Tricholoma spp.), tendo passado a maior parte das outras espécies de forma mais ou menos despercebida tanto na cultura popular, como em termos de conhecimento científico sobre áreas de distribuição e abundâncias.
Graças a uma feliz coincidência, em 2022 foi possível fazer um primeiro levantamento de fungos nas Áreas Rewilding. João Silva e Ricardo Vicente vieram até ao Grande Vale do Côa para participar como voluntários no nosso programa de vigilância de incêndios. No entanto, após um verão extremamente seco e quente, seguiu-se um início de outono chuvoso, o que eliminou o risco de fogos na paisagem. Sendo os últimos voluntários da temporada e chegando numa semana particularmente húmida, ponderámos de que outras formas João e Ricardo poderiam ajudar-nos durante a sua estadia no Centro Rewilding. Inesperadamente, descobrimos o grande conhecimento e experiência de João Silva em micologia, a ciência que estuda os fungos. Assim ficou decidido que durante as semanas seguintes estes voluntários iriam conhecer as Áreas Rewilding do Ermo das Águias, Vale Carapito e Paul de Toirões, e documentar todas as espécies de fungos que conseguissem descobrir e identificar.
João e Ricardo percorreram vários habitats do Vale do Côa, desde carvalhais e matagais, a florestas ribeirinhas, prados e lameiros. Como resultado, foi possível confirmar a presença de pelo menos 104 espécies de fungos, correspondendo a maior partes delas a fungos que produzem corpos de frutificação, os cogumelos, mas também de espécies que formam líquenes (consociação entre um fungo e uma alga) e revestem as rochas e troncos de árvores destes locais. Várias destas observações correspondem a espécies pouco comuns e sobre as quais existe pouca informação a nível nacional. Destaca-se por exemplo a presença de Protostropharia luteonitens no Ermo das Águias, o primeiro registo confirmado em Portugal. Esta é uma espécie rara, saprófita (que decompõem matéria orgânica morta) e por vezes coprófita (que decompõem excrementos), cujo cogumelo se pode observar em áreas com detritos lenhosos e pastagens. Outro registo interessante, este no Vale Carapito, foi o de Deconica montana, uma espécie de zonas frias que aparece associada a superfícies com musgo, tendo sido anteriormente observada no nosso país apenas em regiões mais a norte ou com maior altitude.
Vários exemplares encontrados aguardam ainda identificação através de microscopia dos esporos que será feita nos próximos tempos assim como a publicação científica destes dados, mas é aparente que existe ainda muito para descobrir acerca da diversidade micológica do Grande Vale do Côa.