Entrevista com Laurien Holtjer, Diretora de Comunicação da Rewilding Europe

Julho 4, 2024

Laurien Holtjer é Diretora de Comunicação da Rewilding Europe há largos anos e é um dos rostos responsáveis pela estratégia da organização para os próximos anos no que à comunicação e ao envolvimento de pessoas e comunidades locais diz respeito. Nesta entrevista, ficamos a conhecer melhor a sua visão sobre a abordagem de rewilding e como analisa a evolução do Grande Vale do Côa nos últimos anos.

 

O que achas que distingue o rewilding de outras abordagens de conservação da natureza? Explica-nos a narrativa de “desgraça e tristeza” (doom and gloom) que o rewilding quer evitar na sua forma de comunicar.

O rewilding destaca-se pelo facto de ser muito mais do que a conservação. Não se trata apenas de proteger animais e lugares. O rewilding trabalha para restaurar a funcionalidade de ecossistemas inteiros, revitalizando os processos naturais para que a natureza se possa curar a si própria. Confiar na resiliência da natureza é fundamental para o rewilding. A natureza recupera se lhe dermos espaço. A questão agora é: será que a vamos deixar fazê-lo? Podemos aceitar o regresso dos animais selvagens e aprender a viver com eles? Podemos aceitar não saber exatamente como será uma paisagem se deixarmos a natureza liderar? Mais do que tudo, o rewilding tem a ver com pessoas. E é por isso que a comunicação é extremamente importante. Evoca emoções, molda percepções e pode inspirá-las a tomar medidas positivas. Nas nossas comunicações, evitamos esse sintoma de “desgraça e a tristeza” – a narrativa de ansiedade que caracteriza muitas das mensagens actuais sobre natureza, biodiversidade e conservação – porque isso faz com que as pessoas se sintam desamparadas e sobrecarregadas.  Em vez disso, o nosso objetivo é energizar e capacitar as pessoas com esperança, afastando-nos do medo e apresentando soluções e oportunidades. Um tom de voz positivo é fundamental e o nosso princípio orientador.

 

Como Diretora de Comunicação da Rewilding Europe, quais foram os teus maiores desafios e sucessos?

O maior desafio é a nossa concentração contínua em comunicações impactantes e de alta qualidade. Temos muitas histórias fantásticas para contar, mas o mais importante é colocar tudo o que comunicamos num contexto mais amplo e destacarmo-nos. O rewilding não é apenas um projeto. É um compromisso a longo prazo. Precisamos de realizar uma mudança de paradigma na forma como vemos a natureza. Mudar a narrativa da natureza do medo para uma narrativa de esperança, oportunidade e soluções tangíveis tem sido uma jornada contínua, e é incrivelmente gratificante ver a mentalidade das pessoas a mudar gradualmente. Desde os jovens e comunidades locais até às grandes empresas e aos decisores políticos, o movimento de rewilding está a ganhar força e a ter um impacto crescente no terreno.

 

Que ideias nos podes dar sobre a estratégia de comunicação da Rewilding Europe e das suas paisagens para os próximos anos?

O sucesso do rewilding depende do envolvimento das comunidades locais e da obtenção de apoio de um vasto leque de partes interessadas. O nosso foco será a expansão do impacto da comunicação local e nacional, promovendo a visão do rewilding para uma natureza saudável e uma sociedade melhor. Também continuaremos a mostrar os benefícios que o rewilding traz às pessoas através de filmes, podcasts, imagens, histórias e outras formas de comunicação, com o objetivo de alargar o nosso alcance. Para fazer avançar ainda mais o movimento rewilding, vamos destacar o rewilding como uma solução inteligente e económica para uma vasta gama de desafios sociais, como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a necessidade de melhorar a nossa saúde e bem-estar. Também encorajaremos outros a iniciar a sua própria jornada de rewilding, promovendo ferramentas e plataformas importantes, como o European Wildlife Comeback Fund, a Rewilding Europe Capital e os European Young Rewilders.

 

As comunidades locais e os canais de comunicação abertos que podemos estabelecer com elas são fundamentais para o sucesso dos esforços de rewilding, tal como acontece no Grande Vale do Côa. Como é que vês essa ligação, e como podemos construir um envolvimento para garantir esse sucesso?

Para que o rewilding tenha sucesso, o apoio e o envolvimento da comunidade local são cruciais. O nosso objetivo é garantir que os benefícios do rewilding sejam tangíveis a nível local. Precisamos de demonstrar que o rewilding não é apenas uma questão de restaurar a natureza, mas também tem como objetivo melhorar a vida das pessoas. Esta melhoria pode ser concretizada de várias formas – desde a criação de emprego e rendimentos até à preservação do património cultural. Um excelente exemplo é a Rede Côa Selvagem, que atualmente inclui mais de 40 empresas baseadas na natureza. Estas empresas apoiam o rewilding e beneficiam de promoção colectiva, apoio mútuo e formação. Quando as pessoas experimentam diretamente o impacto positivo do rewilding, o seu envolvimento e apoio a uma natureza mais selvagem aumentam. Em última análise, ouvindo atentamente, podemos ter em conta as vozes e as necessidades das comunidades locais nos nossos planos de rewilding, assegurando que os nossos esforços proporcionam benefícios reais para as suas vidas.

 

Como vês a evolução do rewilding do Grande Vale do Côa, por exemplo no desenvolvimento da iniciativa, comunicação e envolvimento? Quais são as principais oportunidades e desafios?

O Grande Vale do Côa desenvolveu-se rapidamente num curto espaço de tempo. Lembro-me da minha primeira visita, há alguns anos, quando a Rewilding Portugal estava a explorar oportunidades de acesso à terra. Hoje, a paisagem possui múltiplas áreas rewilding e a equipa libertou cavalos selvagens e Tauros. O Grande Vale do Côa está a tornar-se uma montra para ligar a recuperação da natureza às pessoas e está numa excelente posição para demonstrar o rewilding e os seus benefícios, tanto para um público nacional como internacional. No entanto, não nos podemos dar ao luxo de sentar e relaxar. O maior desafio – como acontece com todas as paisagens de rewilding – é garantir o foco e o impacto a longo prazo. Depois de mais de uma década, precisamos de ir além da realização de ações de rewilding apenas e mostrar o verdadeiro impacto.

 

Numa perspetiva pessoal e reflectindo sobre 2023, o que gostarias de ver acontecer em 2024?

Eu vejo o Grande Vale do Côa como um potencial porta-estandarte para a rewilding em toda a Europa e além. À medida que trabalhamos para isso, estou ansiosa para ver mais actualizações e histórias baseadas em ações de rewilding no terreno. Também é vital dar às pessoas locais que estão a apoiar e a beneficiar do rewilding uma plataforma, amplificando as suas vozes. Ao fazê-lo, apoiamos a nossa missão conjunta: tornar a Europa um lugar mais selvagem.

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