Grifos marcados com transmissores GPS no Vale do Côa para estudar hábitos de alimentação

Julho 24, 2019

Um grupo de cinco grifos foi marcado com transmissores GPS na área de rewilding do Oeste Ibérico, no Vale do Côa. Os dados recolhidos por estes transmissores vão dar informação sobre os hábitos de alimentação destas aves, apoiar a restauração de cadeias tróficas naturais na área, e apoiar o retorno desta magnífica espécie.

Griffon vultures have made a dramatic return to the Western Iberia rewilding area since the 1990s.

 

Informação valiosa

Rewilding Western Iberia

Os hábitos de alimentação de grifos no Vale do Côa vão tornar-se mais claros, graças à marcação de cinco aves com transmissores GPS. A marcação foi realizada por membros da equipa local de rewilding e parceiros no início de julho, esta é a primeira vez que a população de grifos da área é monitorizada dessa forma.

Os transmissores com que as aves foram equipadas – aves que são principalmente adultos reprodutores – também contêm um acelerómetro, que indica quando as aves estão a descansar, a voar ou a alimentar-se. Os dados fornecidos pelos dispositivos fornecerão informação importante sobre onde os grifos se alimentam e em que tipo de carcaças.

 

Restauração de cadeias tróficas

A marcação dos grifos foi realizada como parte do projeto “Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa”. Com início em 2019, e financiado por uma generosa doação do Programa de Paisagens Ameaçadas (Endangered Landscapes Programme), este projeto vai permitir que a Rewilding Europe (através da Rewilding Portugal) e parceiros locais reforcem um corredor de vida selvagem de 120.000 hectares no Grande Vale do Côa.

Um elemento essencial da renaturalização do vale é a restauração das cadeias tróficas. Neste momento, as populações locais de grifo e britango contam com uma rede de estações artificiais de alimentação (os chamados “restaurantes para abutres”) fornecidos por organizações como a ATNatureza. Um dos objetivos do projeto é aumentar a disponibilidade de carcaças na área – restaurando assim o chamado Círculo da Vida – encorajando as autoridades portuguesas a permitir que os agricultores locais deixem carcaças de herbívoros domesticados no campo, e aumentando o população local de herbívoros selvagens, como o corço.

“Esta marcação vai permitir-nos perceber se os grifos estão a alimentar-se principalmente de carcaças de animais domésticos, ou também de herbívoros selvagens, e com que frequência visitam estações de alimentação para abutres”, diz Carlos Pacheco, um especialista em aves de rapina e gestor de projetos na ATNatureza, uma das organizações parceiras do projeto. “Isso vai permitir, em última análise, melhorar a gestão de fontes de alimento para estas aves e apoiar a restauração de cadeias tróficas locais.”

 

Um processo desafiante

Os grifos foram marcados no Vale do Côa e nas proximidades do Parque Natural do Douro Internacional. Nos dias de campo, os membros da equipa tiveram de acordar às 4 da manhã, para chegar ao local de captura a tempo de montar as armadilhas. Extremamente inteligentes, os grifos normalmente são muito cautelosos e não pousam em locais onde algo parece fora do normal. Isso quer dizer que a equipa não só tinha de preparar bem o local, como muitas vezes tinham de esperar pacientemente durante horas, enquanto os grifos circulavam por cima.

Nalguns dias, a paciência da equipa foi recompensada e os grifos finalmente pousaram. Assim que um grifo era capturado por uma das armadilhas, a equipa entrava em ação, imobilizando a ave com segurança e colocando-lhe um capuz sobre a cabeça para manter a ave calma. Assim que o grifo estava equipado com o transmissor, era imediatamente libertado, sem qualquer consequência negativa para o animal, e pronto para começar a contribuir dados valiosos para o projeto.

 

As soon as a vulture was caught in a trap the team sprang into action, safely immobilising the bird and placing a hood over its head to keep it calm.
Sara Aliácar

Impacto da legislação

A monitorização das espécies de ave de rapina no Grande Vale do Côa e arredores mostra que desde os anos 90 os grifos regressaram de forma dramática à área. Estima-se que existam cerca de 200 casais reprodutores na área do projeto, incluindo a ZPE do Vale do Côa, a Reserva Natural da Serra da Malcata e o Parque Natural do Douro Internacional. Este retorno poderia ser ainda mais apoiado se agricultores portugueses especialmente autorizados optassem por deixar as carcaças dos seus herbívoros domesticados no campo.

Em 2001, após a crise da encefalopatia espongiforme bovina (BSE ou “doença das vacas loucas”), a União Europeia proibiu o abandono de carcaças de gado no campo. Isso teve um impacto enorme nas populações de aves necrófagas, que dependiam dessas carcaças na ausência de herbívoros selvagens.

 

Uma mudança de atitudes

Desde então, a legislação da UE já foi alterada, permitindo que as carcaças de gado voltem a ser deixadas no campo (sob condições especiais), mas nem todos os países europeus optaram por implementar esta mudança. Até muito recentemente, isto significava que os agricultores em Espanha podiam abandonar carcaças em grandes áreas do campo, mas os agricultores portugueses eram obrigados a removê-las. Esta disparidade foi graficamente destacada em estudos recentes, que mostraram que os grifos e abutres-pretos com marcadores de GPS na Península Ibérica evitavam quase completamente o território português.

Mudanças recentes nos regulamentos portugueses significam que as carcaças de suínos, ovinos e caprinos podem ser deixadas novamente fora das estações de alimentação artificial, em áreas que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) considera importantes para a conservação de aves necrófagas.

“A equipa da Rewilding Portugal e parceiros vão trabalhar com as autoridades nacionais para desenvolver uma rede extensiva de agricultores no Vale do Côa e no Parque Natural do Douro Internacional, que estejam autorizados a deixar carcaças no campo”, explica Sara Aliácar, Técnica de Conservação da Rewilding Portugal, e membro da equipa de marcação dos grifos.

 

As a means to an end, feeding stations are undoubtedly useful. Yet they still interfere with nature.

 

Colaboração

Patrocinada pela Mossy Earth, a marcação dos grifos foi realizada pela Associação Transumância e Natureza (ATNatureza), em conjunto com membros da equipa da Rewilding Portugal. Como colaboradores científicos, o CIBIO-InBIO e a Movetech forneceram os transmissores e vão também apoiar a análise de dados e a divulgação dos resultados.

Outro grupo de abutres será marcado no final do projeto. Isso permitirá avaliar que impacto as mudanças na disponibilidade de alimento tiveram no comportamento e distribuição das aves.

 

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