No começo do ano de 2024 lançámos a nossa nova revista Wild 2023, que dava a conhecer toda a evolução do nosso trabalho ao longo do último ano. O nosso líder de equipa Pedro Prata fez um balanço desse percurso no editorial da revista que agora divulgamos em formato aberto. Ao longo dos próximos meses partilharemos as várias notícias e artigos que compõem esta revista de forma gradual.
Bruno Navarro (1978 – 2021), o saudoso presidente da Fundação Côa Parque, esboçou um enorme sorriso e os seus olhos brilhavam de entusiasmo quando lhe contei a ideia que a Rewilding Portugal estava a planear fazer um grande festival de arte na paisagem ao longo de todo o rio Côa, para reviver a arte da luz que o Parque Arqueológico salvaguarda desde tempos inenarráveis, e ao qual rapidamente me respondeu “Vamos a isso!”. Foi por essa certeza que o recordamos, dedicando o festival CÔA – Corredor das Artes à sua memória.
Aquilo que nos parecia simples aos dois, ali naquela sala sobre a foz do Côa, e tão belo como as gravuras que adornam as margens do rio que bem conhecíamos, tornou-se numa maratona de logística e programação que desembocou num incrível sucesso. Para que acontecesse, foi imprescindível o empenho de toda a equipa da Rewilding Portugal e em especial do núcleo programador, bem como do apoio dos municípios e parceiros locais. Sem eles todos, os artistas e o público, as ideias que eu e o Bruno achámos fantásticas nunca aconteceriam. Mas assim se fez o CÔA – Corredor das Artes.
Convidámos seis dos mais de 180 candidatos a realizar ao longo das margens do Côa uma peça que marcasse a paisagem. Com regras simples, devia ser construída com materiais naturais e respeitar o seu decaimento. Integrar-se nos processos naturais e influenciá-los. E ser
construída com o apoio da comunidade, seja ela qual for a definição de comunidade que o artista entendesse.
Durante fevereiro e maio cada um pensou, colaborou e edificou uma peça escultórica, ritual e performativa integrada nas seis localizações
especiais deste grande vale. Desde os jardins do Sabugal com as aldeãs dançantes sobre a primavera, ao cónico infinito no Vale Carapito a apontar para o castelo de Vilar Maior. Um toro de vimes a abraçar as ruínas das antigas Termas da Fonte Santa em Almeida decoradas com Rorschachs feitos pelos companheiros da ASTA, e na margem oposta um megalito antropomorfo destacado na paisagem da área rewilding do Ermo das Águias em Pinhel. Passando por um pombal museológico de memórias paleolíticas na Reserva da Faia Brava e finalmente uma cadeia de nós feito das podas da vinha e das cerejeiras na melhor esplanada de todo o Côa, no Museu do Côa. Os artista Rumen Dimitrov, Marcelo Moscheta, Elparo, Gaspard Combes, Antony Lyons e Michèle Trotta são os mais recentes artista da luz do Grande Vale do Côa.
Esta forma de expressão artística voltou assim ao seu habitat natural do mundo selvagem que ainda habita este grande território. Com ele veio toda uma programação de música, dança, cinema, fotografia, teatro etc que preencheu um mês inteiro, todos os dias de Julho desde o Sabugal a Vila Nova de Foz Côa, passando por sítios únicos ao longo da Grande Rota do Vale do Côa. Foram mais de 100 espetáculos realizados, com mais de 8000 pessoas a visitarem e participarem no festival, nas mais de 200 horas de eventos e programação. Dificilmente será possível recriar tal força artística no Côa nos anos vindouros, mas a sua marca ficará para sempre.
Definitivamente, este burburinho cultural e natural à volta da paisagem meteu esta parte do país no mapa. Convidou os mais diferentes públicos a partilhar interesses e experiências, trouxe a cidade ao campo e levou ao campo a cidade, sem que isso fizesse perder a essência de qualquer das partes e adicionando uma nova perspectiva sobre o que é a coesão territorial.
Estas são também camadas do trabalho integral e holístico que a Rewilding Portugal faz sobre o território do Grande Vale do Côa. A natureza, a vida selvagem e as espécies icónicas do território são a essência do que fazemos no dia-a-dia. Mas o reflexo que isso tem na vida das pessoas, seja na economia, comportamentos, cultura e arte são os indeléveis efeitos de uma envolvente mais rica e que nos deve orgulhar de aqui existir.
Contudo, não foi mais ricos que ficámos. No saldo das contas do festival perdemos uma significativa soma de dinheiro. Cumprimos as nossas obrigações com todos os fornecedores, programadores, serviços e artistas que compuseram o festival. Esgotámos a energia de uma
equipa alargada, mas sentimos o dever cumprido e enchemo-nos de alegres memórias. A próxima edição ainda está por calendarizar, necessitamos de financiar uma nova empreitada desta envergadura e acima de tudo aproximar ainda mais as pessoas, a cultura e o mundo natural do Côa sob a forma de uma celebração do belo que aqui é imemorial, passado e futuro.
Por isso deixo a todos os que seguem o trabalho da Rewilding Portugal, e que se revêem na nossa forma de intervir, ecologica, social e culturalmente, convido-os a fazerem-se patronos no Patreon da Rewilding Portugal – https://www.patreon.com/rewildingportugal – e sabendo que se atingirmos os 1000 patronos até final de 2024, o CÔA – Corredor das Artes trienal acontecerá mesmo em 2026.
Saudações Selvagens!
por Pedro Prata
Líder de Equia da Rewilding Portugal