Num estudo social conduzido recentemente pelo projeto LIFE WolFlux, quase metade dos atores chave entrevistados considera que é possível que o lobo viva na região, mas apenas sob certas condições.
A população de lobo ibérico em Portugal está dividida em duas pelo rio Douro. Enquanto a subpopulação a norte do Douro é maior e mais estável, a sul do Douro há apenas algumas alcateias. Estudos anteriores demonstraram que, a sul do Douro, o lobo ibérico é perseguido em algumas áreas e que a sua dieta depende em grande parte de animais domésticos, causando prejuízos a alguns criadores de gado. É portanto urgente perceber o contexto social e como esta situação condiciona as atitudes dos atores locais em relação à espécie. Compreender a realidade no terreno e ouvir as comunidades locais é extremamente importante para orientar os esforços de conservação na região.
Ouvindo as comunidades locais
Como parte do projeto LIFE WolFlux, foi realizado um estudo entre agosto de 2019 e abril de 2020 para descrever as atitudes sociais dos atores locais na área de distribuição do lobo ibérico a sul do rio Douro. O objetivo era perceber melhor os principais problemas relacionados com a presença do lobo, abordando a complexidade do relacionamento entre as pessoas e este grande carnívoro. Tópicos como conhecimento local, emoções, crenças e opiniões sobre pagamentos de indemnizações por prejuízos causados por lobos.
Graças à colaboração dos atores chave seleccionados, no total, 117 foram entrevistados em 20 juntas de freguesia. Estes atores-chave incluíram criadores de gado, gestores de caça, autoridades locais, técnicos de conservação e promotores de atividades da natureza. As entrevistas semiestruturadas tiveram como objetivo identificar barreiras sociais que dificultem a estabilidade e expansão natural do lobo na região e perceber os interesses e contexto associados à espécie.
Os resultados mostram que praticamente metade dos entrevistados considera que é possível que o lobo viva na região, mas apenas sob certas condições, por exemplo o pagamento de compensações por prejuízos causados, ou a disponibilidade de habitat e alimentos para a espécie. Estes resultados realçam a necessidade de melhorar não apenas as condições ecológicas da espécie, mas também o esquema nacional de compensação de prejuízos. O sistema atual é frequentemente considerado insuficiente, levantando críticas em várias frentes. Duas das propostas que, especificamente, os criadores de gado sugerem para melhorar este esquema são que os pagamentos sejam justos e que não se atrasem.
Por outro lado, um quarto dos atores-chave entrevistados mostrou alguma intolerância em relação à presença de lobos, o que destaca a diversidade de opiniões encontradas e também a necessidade de trabalhar em estreita colaboração com as comunidades locais para entender melhor as razões por trás desta intolerância e as melhores maneiras de abordar as preocupações dos actores no terreno.
Os resultados mostram que praticamente metade dos entrevistados considera que é possível que o lobo viva na região, mas apenas sob certas condições.
Conhecer outras pessoas que tenham sofrido prejuízos causados por lobo é um fator que está significativamente relacionado com a atitude da pessoa entrevistada, realçando a coesão das comunidades rurais e a maneira como o “boca a boca” é confiável nesses contextos. Por outro lado, alguns criadores de gado que sofreram múltiplos prejuízos expressaram, ainda assim, atitudes positivas em relação à espécie.
Segundo Sara Aliácar, Técnica de Conservação da Rewilding Portugal e uma das entrevistadoras deste estudo, “O que é vivido por um vizinho espalha-se rapidamente na comunidade, principalmente entre os seus pares, e tem uma grande influência nas opiniões dos outros. Também constatámos que o medo do lobo estava associado à intolerância entre os atores chave entrevistados. O medo do lobo pode ter muitas origens, mas descobrimos que os entrevistados que tiveram uma experiência positiva ao ver um lobo na natureza perceberam que o lobo não tem nada a ver com o animal feroz sobre o qual ouviram falar.”
Quando os boatos se tornam uma verdade
Existe uma crença generalizada a sul do rio Douro de que lobos de cativeiro têm sido libertados na natureza. Embora nunca tenha havido uma libertação de lobos em Portugal, quase dois quintos dos atores chave entrevistados mencionaram relatos de carrinhas que chegam às áreas em que os entrevistados vivem à noite, e das quais são soltados lobos.
A crença nas libertações secretas de lobos, às vezes geradas por lobos que se mudam para uma nova área da qual a espécie esteve ausente durante muitos anos, pode afetar negativamente os esforços de conservação da espécie.
Esta situação cria um desafio para todas as entidades e organizações que trabalham para proteger a espécie, já que algumas pessoas vêm esses esforços como suspeitos. Um aspecto crítico do projeto LIFE WolFlux será, portanto, construir uma relação de confiança com as comunidades locais e trabalhar para desenvolver atitudes mais positivas na região.
Segundo Margarida Lopes Fernandes (CRIA/ICNF), que supervisionou o estudo social, “A metodologia qualitativa utilizada permitiu-nos perceber melhor os conhecimentos e práticas locais, a ambivalência nas percepções sobre a espécie, assim como os pontos de conflito e as suas razões. Identificar e ouvir atores-chave, de forma neutra, é crucial para os projetos de conservação. O projeto LIFE WolFlux adotou corretamente a abordagem multidisciplinar recomendada, incluindo cientistas sociais que trabalharam com a equipa”.
Um exercício de mapeamento dum índice de intolerância permitiu identificar áreas em que a equipa do projeto vai concentrar esforços para melhorar a comunicação e, se tudo correr bem, mudar algumas posições ambivalentes. Um destaque positivo do estudo é que quase três quartos dos entrevistados são positivos sobre a presença do corço – uma das principais presas silvestres do lobo ibérico. O projeto LIFE WolFlux visa melhorar as condições de habitat para corço e garantir a disponibilidade de presas silvestres para diminuir o risco de ataques a animais domésticos.
Além disso, a maioria dos entrevistados demonstrou atitudes positivas em relação ao uso de cães de gado, desde que estes sejam de raças portuguesas adequadas como os Serra da Estrela e Castro Laboreiro, e que esses cães tenham sido bem treinados para proteger o gado. Essa é outra das linhas de ação do projeto LIFE WolFlux, já que serão dados cães de gado a agricultores interessados, garantindo o apoio e treino necessário para assegurar que eles se tornem cães de guarda eficazes.
O lobo ibérico pode trazer vantagens?
Embora um grande número de atores locais demonstre tolerância em relação ao lobo, menos de metade mencionou alguma vantagem na presença deste predador no território. A atração de turistas foi mencionada apenas por alguns atores-chave.
Embora o turismo de lobo seja raro em Portugal, em Espanha este é um setor lucrativo e bem estabelecido, que leva muitas pessoas a regiões como a Serra da Culebra, na esperança de ver este animal elusivo. Em Portugal, a Dear Wolf é já um operador turístico que oferece passeios guiados focados no lobo ibérico. Estas visitas são feitas por biólogos treinados que garantem que as melhores práticas são seguidas e que os animais não são perturbados. Enquanto que as atividades da Dear Wolf são feitas principalmente a norte do rio Douro, este tipo de turismo pode ser expandido para o sul do Douro, atraindo novos rendimentos para áreas rurais isoladas e estimulando economias locais.
O projeto LIFE WolFlux quer promover mais turismo relacionado com o lobo na região e demonstrar que o lobo ibérico pode ser um motor de desenvolvimento sustentável e de longo prazo em algumas áreas.
Segundo Duarte Cadete, coordenador da Dear Wolf, “Pela experiência que temos com este tipo de turismo a norte do rio Douro, é apenas uma questão de tempo até que as populações locais vejam as vantagens que esta espécie pode trazer. O lobo é uma espécie icónica que atrai as pessoas para as regiões onde vive, e essas pessoas depois ficam para explorar os outros valores naturais e culturais da região.”
A coexistência a sul do rio Douro pode melhorar?
São necessárias soluções eficientes e duradouras para melhorar a conservação e a coexistência entre o lobo e as pessoas a sul do rio Douro. A colaboração entre as comunidades locais, a administração e as organizações da sociedade civil é fundamental, assim como uma presença constante no terreno – em particular, através do apoio a criadores de gado na implementação de medidas de prevenção de prejuízos.
O futuro do lobo ibérico na área depende de serem encontradas soluções benéficas tanto para as pessoas como para a vida selvagem. Os resultados deste estudo mostram que existem muitas pessoas em comunidades locais abertas a explorar soluções e a manter a coexistência com esta espécie portuguesa emblemática. Será então possível melhorar as condições de coexistência com o lobo ibérico na região? Só o tempo dirá, mas acreditamos que sim.
Detalhes do estudo e projeto LIFE WolFlux
Este estudo foi realizado pela Rewilding Portugal em colaboração com uma especialista em dimensões humanas, Clara Espírito-Santo e em parceria com uma bióloga do ICNF, Margarida Lopes Fernandes, que também é investigadora do CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia.
Foi realizado no âmbito do projeto LIFE WolFlux, que visa promover as condições ecológicas e socio-económicas necessárias para garantir a viabilidade da subpopulação de lobo ibérico a sul do rio Douro a longo prazo.
O projeto LIFE WolFlux está a ser coordenado pela Rewilding Portugal em parceria com a Universidade de Aveiro, Rewilding Europe, Zoo Logical e ATNatureza. É financiado pelo Programa LIFE da União Europeia e é co-financiado pelo Endangered Landscape Program, que é gerido pela Cambridge Conservation Initiative e é financiado pela Arcadia, um fundo filantrópico de Peter Baldwin e Lisbet Rausing.
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